São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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Thomas 2 quer ser pop e trair Thomas 1

O diretor Gerald Thomas estréia trilogia 'B.E.S.T.A.'

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Título: Trilogia da B.E.S.T.A.
Peças: The Flash and Crash Days, O Império das Meias Verdades e UnGlauber
Diretor: Gerald Thomas
Elenco: Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, Luiz Damasceno, Ludoval Campos e Domingos Varela (The Flash...); Fernanda Torres e Companhia de Opera Seca (O Império...) e Vera Zimmerman, Luiz Damasceno, Ludoval Campos, Edilson Botelho, Cacá Ribeiro, Milena Milena, Nora Prado e Domingos Varela (UnGlauber)
Onde: Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 011/864-8544, Pompéia, zona oeste)
Quando: a partir de amanhã, às 21h, The Flash and Crash Days (até dia 27, de quartas a sábados, às 21h e domingos, às 19h); dias 26 a 30, O Império das Meias Verdades; de 5 a 27 de fevereiro, UnGlauber, sempre de quartas a sábados, às 21h, e domingo, às 19h
Quando: CR$ 2.000, CR$ 1.800 (usuários com carteirinha do Sesc) e CR$ 1.000 (estudantes e comerciários)

"B.E.S.T.A." é a sigla inventada pelo diretor e dramaturgo carioca Gerald Thomas, 39, para definir a trilogia de peças que inicia temporada a partir de amanhã no auditório do Sesc Pompéia. Quer dizer "Beatificação da Estética Sem Tanta Agonia".
Tradução: Thomas busca um vocabulário novo, baseado na comicidade e na linearidade do enredo, e ironiza o gelo seco expressionista do modelo que ele próprio criou nos anos 80. Thomas 2 "trai" Thomas 1 e –palavras dele– deixa o velho vocabulário para "os plagiários e os meus oponentes, que, no fundo pertencem à mesma corja".
"UnGlauber", a única peça inédita da trilogia (leia texto ao lado), consolida para ele o novo estilo sarcástico e faz um retrato de sua geração. Seis personagens –a estrela da peça é Vera Zimmerman– de uma companhia de teatro se reúnem no camarim-palco. Ali, discutem a função de representar. A certa altura, Vera pega um machado e começa a mutilar um dos atores. No texto, Thomas prevê a reação da platéia: "Vera está com o machado na mão e, por alguns segundos, deve persistir a dúvida se ela faz a barba como machado ou decepa a cabeça dele. Platéia ri".
Divertir está entre os novos objetivos do diretor. Na nova montagem de "The Flash...", ele inclui pela primeira vez um rock –"All Along the Watchtower" (Bob Dylan), na versão de Jimi Hendrix, de 1967. No dia 27 de fevereiro, estréia como diretor de shows. Está preparando o cenário e o roteiro do show da cantora Gal Costa. Como autor e diretor cênico, monta este ano duas óperas suas e restaura "Zaide", de Mozart (leia texto abaixo ).
O diretor vem de uma turnê de "The Flash.." com a Companhia de Opera Seca pela Escandinávia. Desembarcou em São Paulo há uma semana e se surpreendeu com os novos modismos no teatro brasileiro. Em entrevista à Folha, diz que não gosta do fundamentalismo em moda nas montagens atuais.
*
Folha - Nesse ano em que você esteve ausente, o teatro seguiu um caminho antigeraldiano. Como você vê a volta ao texto e ao teatro político?
Gerald Thomas - No Brasil, o teatro é mais importante do que ele realmente é. Essa moda fundamentalista vai passar, como toda moda. Os diretores não estão longe de Sadam Hussein. Querem um teatro que reflita crenças sociais através de textos antigos. O "Ham-Let" do Zé Celso e "Vereda da Salvação" do Antunes Filho são assim. Textos velhos não são capazes de captar o que se passa hoje. Não me interessa o que pensava o meu conterrâneo Shakespeare em 1611. Nenhum texto do passado vai chegar à complexidade da atualidade. A história não vai para frente se você não cria novas histórias. Eu crio textos novos. Daqui a 20 anos essas remontagens não serão nem citadas. Mas garanto que meu teatro será.
Folha - Mas você gostou de "Ham-Let", não?
Thomas - Adorei porque Zé retoma a carnavalização. É a retomada de um teatro com crenças sociais que resgata o lado da encenação. Mas história não é uma coisa que se faça para trás. "Hamlet" é datado.
Folha - O que não é datado?
Folha - A "Tetralogia", de Wagner, e "A Tempestade", de Shakespeare, por exemplo. São obras que possuem uma complexidade de relações que não se esgotam no tempo.
Folha - Como você vê a moda de Nelson Rodrigues?
Thomas - É interessante. Há 15 anos era tabu falar nele. Agora, o que está acontecendo é uma trivialização do Nelson. A "trivia" tanto ajuda como arranca a essência original da obra. Vamos ver no que vai dar.
Folha - Você criou um estilo que virou modelo e contramodelo para os diretores brasileiros. Você prefere que lado?
Thomas - Nenhum . Os plagiários e os oponentes fazem parte da mesma corja. Deixo para eles o meu velho vocabulário. Estou trabalhando num outro, sem deixar de ser eu. Minha geração viveu um período de fragmentação e não consegue mais contar uma história. Queria comprimir muita informação em duas horas. Estou buscando a popularidade e a linearidade. É a vontade de trair uma coisa que já é esperada de mim –aquela fuga do coloquial e o uso dos cortes abruptos da ópera. Houve o desgaste de uma linguagem "geraldiana". Hoje aceito coisas que rejeitava, como a maneira com que Paul Auster retoma a linearidade de Chandler e consegue contar uma história. Quero por no palco uma ação linear, sem cortes e cheia de situações inusitadas e cômicas. Pela primeira vez estou colocando rock numa peça minha e dirigindo um show.
Folha - Por que comédia?
Thomas - "B.E.S.T.A." vem da necessidade do judeu rir de si próprio. Aprendi muito com Fernandinha e Fernandona, que são duas palhaças.
Folha - "UnGlauber" é contra Glauber?
Thomas - É uma maneira de retratar minha geração por oposição à imediatamente anterior, a de Glauber. Fui criado no cinismo da contracultura, de gente que reclamava do "establishment" e mantinha uma postura pública "família". Sou de uma geração que nunca foi leninista, mas não teve coragem de dizer isso. Minha geração aceita o lado desbravador da tecnologia e a justiça ecológica. Não crê no Estado. Glauber, até para retomar a palavra alemã, era um crente em política. Eu sou descrente.

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