São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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'Posse' é revisão do Oeste pela ótica negra

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um faroeste estrelado quase só por negros não chega a ser uma novidade absoluta –"Um por Deus, Outro pelo Diabo" (1972), de Sidney Poitier, era exatamente isso–, mas ainda é um fato notável no discriminatório cinema americano. O fato mais espantoso, entretanto, é "Posse - A Vingança de Jessie Lee", faroeste negro de Mario Van Peebles, não ter sido lançado nos cinemas brasileiros. Nos EUA, estreou em maio último e causou sensação.
O filme conta a história de um grupo de negros que desertam do exército americano e voltam ao Oeste, mais precisamente à cidade de Freemanville, fundada por ex-escravos e eternamente hostilizada pela cidade vizinha, Cutter's Town, dominada pela Klu Klux Klan. O líder do bando negro é Jessie Lee, interpretado pelo próprio diretor do filme, Mario Van Peebles. Como em "Pequeno Grande Homem", a história é contada em flashback por um ancião sobrevivente dos fatos narrados. Ainda como no filme de Penn, trata-se de uma revisão histórica: desta vez do ponto de vista dos negros, não dos índios.
Ignorar "Posse" é um erro não só pela pertinência de seu tema –os conflitos raciais no Oeste americano em fins do século passado, onde um em cada três caubóis era negro–, mas, principalmente, porque o filme é bom. Não é perfeito, claro. Movimentado, vistoso e extravagante, tem defeitos e virtudes semelhantes aos dos faroestes espagueti estrelados por Giuliano Gemma. Entre os defeitos, o maniqueísmo é o mais evidente: o filme é uma inversão tão simétrica dos filmes "brancos" que se dá ao luxo de ser politicamente correto, colocando um branco (Stephen Baldwin) no bando dos negros –que são, obviamente, os "mocinhos" do filme.
Entre as virtudes que herdou dos westerns italianos, a principal é um senso de espetáculo quase juvenil: tiros que liquidam três de uma vez, herói que dá um soco num cavalo e o derruba junto com o cavaleiro, câmera lenta que acompanha a bala (ou a faca) até o coração da vítima etc. Tudo isso com uma câmera delirante, que se coloca nos lugares mais improváveis: sob as patas dos cavalos, nos tetos, dentro de um cofre etc.
Há também muito mais sexo e música em "Posse" do que em qualquer outro faroeste. O jovem Mario Van Peebles (filho do ator e diretor Melvin Van Peebles, que atua no filme como o pai de sua namorada) não hesitou em colocar em cena todo tipo de música negra que, supostamente, deu origem aos blues e ao gospel que conhecemos hoje. Há belas cantigas de trabalho, há muita dança e há até, cantada num saloon, uma anacrônica balada romântica que parece ter saído da Motown dos anos 60.
Dois conhecidos rappers –Tony Loc e Big Daddy Kane– aparecem no elenco (o segundo como o trapaceiro de pôquer Father Time). Da velha geração, além de Melvin Van Peebles, é homenageado o grande Woody Strode, que atuou em westerns como "O Homem que Matou o Facínora" e "Audazes e Malditos", ambos de John Ford.
Em tempo: "posse" (título também de um filme dirigido por Kirk Douglas) é o nome que se dava ao bando de pistoleiros que ajudavam o xerife.

Título: Posse - A vingança de Jessie Lee
Produção: EUA, 1993
Direção: Mario Van Peebles
Elenco: Mario Van Peebles, Stephen Baldwin, Stacey Dash
Distribuição: Video Arte do Brasil (av. República do Líbano, 2344, tel. 011-575-6996).

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