São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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A parábola do cabo Eliezer

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Sei que, hoje, há assuntos mais importantes para esta coluna –o assassinato de um dirigente sindical, a ameaça de demissão de Fernando Henrique Cardoso ou a informação do ministro da Justiça, Maurício Correa, sobre uma tentativa de golpe. Mas não resisto à tentação de falar sobre uma incrível injustiça provocada porque PC Farias ganhou uma Bíblia.
Evangélico, o cabo da Polícia Militar Eliezer Lustosa de Oliveira presenteou PC Farias com uma Bíblia em 19 de dezembro do ano passado. Como infringiu normas disciplinares, o cabo passou o Natal na cadeia –portanto, igualalado a PC. E com menos conforto: PC teve direito a uma suculenta ceia. Eliezer teve de se contentar com a bóia dos soldados de plantão.
Na sua religiosidade, o cabo estava convencido de que a Bíblia poderia ajudar PC a se arrepender. Talvez estivesse inspirado no Evangelho segundo São Lucas, onde no capítulo 23, versículo 39, um ladrão se arrepende diante de Jesus. Talvez pudesse retroceder ao Velho Testamento, relendo o sétimo mandamento apresentado aos judeus por Moisés.
Pode-se discordar da religiosidade do cabo. Tudo bem. Pode-se questionar (e com razão) sobre se PC, ex-seminarista, iria passar por um súbito surto de arrependimento. Mas o caso serve como um extraordinária parábola do Brasil: dezenas de notáveis empresários deram a PC presentes muito mais caros do que Bíblia de Eliezer, que saiu por CR$ 2 mil.
Existe, aqui, uma diferença fundamental. O cabo queria ajudar PC e os empresários queriam ajudar a si próprios –e, por enquanto, o único preso sem ter feito nada foi o policial militar. Afinal, "lei é lei". Só que a lei consegue ser implacável como quem presenteia uma Bíblia, mas não com aqueles que bombearam dinheiro no próprio duto.
Nem precisamos ir tão longe. O ministro Maurício Corrêa acaba de revelar que lhe consultaram sobre a possibilidade de um golpe para fechar o Congresso –a consulta estava embutida, segundo ele, num movimento organizado.
Apesar de ser ministro da Justiça, não se deu o trabalho de revelar os nomes para punir quem tramou para acabar como todo o Estado de Direito.

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