São Paulo, sexta-feira, 7 de janeiro de 1994
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Coisas que não morrem

JOSÉ SARNEY

Desaparecem as ideologias globais, aparecem as pequenas ideologias nativistas.
O caso da Bósnia mostra duas coisas: 1) que nenhum conflito de fronteira é resolvido definitivamente, sempre remanesce um potencial de recrudescimento que não se apaga; 2) que os nacionalismos xenófobos são as ideologias estruturais do homem.
Tome-se o exemplo do México. Nenhum país destes continentes americanos vive uma situação privilegiada como a do México. Ele é o único país que participa da aventura de liderança mundial, de uma super, isolada e incontrastável grande potência, que são os Estados Unidos. Por dois motivos: pela fronteira, pelos chicanos –ambos problemas também internos americanos. O Nafta, agora aprovado, é o ideal maior de uma geração que se propôs modernizar e colocar o México no mapa do Primeiro Mundo.
O que acontece? Explode, o que ninguém jamais pensava, a reação nativista, de índole muito parecida com a do Sendero Luminoso, que recusam a qualidade de vida que lhe propõem, fazendo renascer a ferida de séculos da sofrida história mexicana, na reação à perda da identidade nacional.
Zapata sai das sombras da história e dos "labirintos de solidão" para escrever com outro tema e outra gente mais uma página de sangue, que começou com Cortez.
E o Brasil? A situação do Brasil começa a se complicar. O neoliberalismo vai mostrando suas vulnerabilidades. Não basta a qualidade de vida. Vejo tendência perigosa em ideologizar alguns segmentos institucionais da sociedade.
O que será de um país se os militares, independentemente de uma decisão democrática da sociedade, adotarem uma ideologia? E o Ministério Público? E a Polícia Federal? E a Receita Federal? E o Banco Central? E os controladores do hoje sensível e dominador sistema de informática? E a Justiça? O que acontecerá? Eles imporão sua vontade à sociedade ou agirão independentemente dela, com sua ideologia própria, invertendo sua verdadeira função na máquina do Estado? Ou eles reagirão para defender seus dogmas? Falo de ideologização. E uma ideologia é sempre uma idéia e conduta socializada. No Uruguai, aconteceu coisa parecida com o fenômeno Tupamaro.
Diz-se que passou o tempo da revolta e da revolução. O caso do México mostra que nem tanto. Há coisas que não morrem nunca.
O Brasil, se as tendências de ideologização avançarem, pode entrar num caminho perigoso de violência.
A democracia fica fora desse processo porque o que se alcança nele não é o poder pelo voto, mas impor à sociedade, com os instrumentos da própria sociedade, a morte dos direitos e das liberdades.

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