São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
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O Judiciário no banco dos réus

ANTONIO JURANDIR PINOTI

Cansada de tanta roubalheira, aos poucos a sociedade brasileira, insuflada pelas elites desinformadas, está colocando o Judiciário no banco dos réus, como se os juízes –e não a legislação farta e falha– fossem os responsáveis pela impunidade dos ladrões.
Convém deixar consignado que escrevo estas linhas atento ao art. 2.º da Constituição Federal, que estabelece a independência e a harmonia entre os poderes da União, e ao art. 5.º, 35.º, claro no sentido de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
A Folha, em 24.09.93, noticiou que o deputado Maurílio Ferreira Lima (PMDB-PE), inconformado com decisões do STF, apresentou emendas ao orçamento de 1994 cortando verbas do Judiciário. "Vamos deixar dinheiro só para lápis, papel, borracha e salários. Nada de viagens, mordomias ou mesmo cafezinho", disse o deputado, antes de vir à tona o escândalo do Orçamento e esquecido da independência dos poderes e que é função do Judiciário apreciar lesões ou ameaças a direito. Errou feio o parlamentar! Suas palavras são de vingança e inconcebíveis com o ofício de legislar, para o qual é pago com o dinheiro arrecadado do povo.
Na edição de 12.12.93, o mesmo jornal publicou reportagem na qual o já referido deputado, ardoroso defensor do controle externo do Poder Judiciário, afirma que "o Judiciário tem tomado atitudes danosas ao país". Errou novamente o parlamentar. É inconcebível que o exercício da judicatura –a jurisdição– possa ser objeto de controle externo!
Antes que o descrédito na Justiça atinja graus incontroláveis, a sociedade deve se lembrar que foi o Judiciário quem mandou devolver o dinheiro confiscado pelo malfadado plano Collor, homem banido da vida pública por vários anos também por obra do Poder Judiciário. A crítica que devemos fazer a esse poder não pode ser endereçada à sua função primordial –o exercício da jurisdição. Contra erros de julgamento há recursos próprios previstos na legislação ordinária e também remédios constitucionais.
O juiz deve pautar sua decisão aos grandes princípios de direito e aos ideais democráticos da nação. Não podemos fechar os olhos, porém, ao gritante distanciamento que existe entre a Justiça e o acesso à ela. A criação de varas e comarcas onde não são necessárias. Aos péssimos vencimentos dos funcionários. Ao estado de abandono ao qual estão relegados até mesmo alguns setores vitais da Justiça paulista (os cartórios das varas de menores infratores nem sequer possuem aparelhos de fax!). Ao absurdo consistente na inexistência de varas específicas para julgamento de pequenas causas, hoje julgadas no período noturno, graças ao serviço de juízes, procuradores e conciliadores, que nada ganham para isso além da solidariedade com a miséria –o retrato do Brasil.
A cidadania, a dignidade da pessoa humana, apanágios do estado de direito, corolários do art. 1.º da Constituição Federal, desaparecem sob as trevas da impingida hipocrisia. Contudo, diante da verdade se assemelham ao girassol e altaneiras seguem a luz que as envolve em brilho.

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