São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 1994
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O truque se esgota

JANIO DE FREITAS

O mínimo a dizer do estado da equipe econômica é que está desnorteada. Os fatores são numerosos, mas três deles são dados como causadores maiores da perturbação. Um é o crescimento das manifestações de decepção com o desempenho da equipe e de descrença no Plano de Estabilização. Outro é a aceleração ainda maior dos preços, em flagrante desprezo pelo que dizem o ministro da Fazenda e seus assessores. E o terceiro é a inexistência de qualquer resposta que a equipe possa dar a tais circunstâncias, porque nem mesmo em torno de algumas medidas essenciais do Programa foram estabelecidas conclusões.
Tanto no que respeita à aceleração inflacionária, como em relação às dificuldades evidenciadas para a futura conversão de preços em URV, a equipe vê a realidade comprovar as observações sobre sua inação, diante de índices inflacionários que já se mostravam ameaçadores, e sobre a ilusão com adesões à URV espontâneas e redutoras dos preços. Só agora a equipe econômica está vendo o que todos perceberam desde cedo. Mas ainda não viu que chega ao fim o seu recurso de multiplicar-se em entrevistas meramente fantasiosas. É isto, ainda, que foi acertado entre os ministros e os assessores como tática para estes dias, operação iniciada logo na segunda-feira.
Os preços e a descrença não os estão ouvindo.
Má-fé preconceituosa
Entre outros jornalistas, fui brindado pelo presidente da NEC, Gilberto Geraldo Garbi, em seu artigo ontem publicado na Folha: na "polêmica da telefonia celular em São Paulo (...) Janio de Freitas sucumbiu aos preconceitos, incursionou em assuntos técnicos e nos bateu forte". Os preconceitos que atribui à imprensa em geral e, nominalmente, a mim, são assim definidos pelo autor: "A NEC faz parte das Organizações Globo quando um tema que nos toca cai nas redações, prejulga-se e parte-se para a produção de provas, dentro do melhor estilo dos regimes totalitários".
Se Geraldo Garbi tiver hombridade, quero vê-lo comprovar a viciação preconceituosa do meu trabalho diante deste argumento: Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Mendes Jr., Constran, C.R. Almeida, OAS, Furnas, Petrobrás são algumas (realço: apenas algumas) das poderosas empresas, sem vínculos com as Organizações Globo, que tiveram negócios gigantescos, muito maiores do que o equipamento de telefonia celular de São Paulo, sustados por revelações, aqui, das suas irregularidades. Homem de negócios, e que negócios, da telefonia, Gilberto Garbi sabe que, no seu próprio setor, concorrência anterior da mesma Telesp teve que ser cancelada, e reformuladas as condições do edital, em razão do que aqui foi publicado – e a vencedora era a Ericson, a maior concorrente da NEC. O preconceito, pois, não é meu, mas de Gilberto Garbi contra mim.
Se tal preconceito não fosse de má-fé, a má-fé se torna crua no parágrafo seguinte de Garbi, quando investe também sobre outros jornalistas ao dizer que "nem uma só palavra foi publicada sobre o fato de termos comprovado o domínio da tecnologia contestada". Primeiro, é mentira a inexistência da publicação, que na Folha mereceu até foto. Além disso, o edital exigia o domínio da "tecnologia contestada na época da concorrência e não na inauguração da telefonia celular, quando a NEC fez a alegada comprovação. A "contestação" referida por Garbi foi feita por mim na época da concorrência e comprovada por promessas publicadas pela da NEC, de vir a pesquisar e adotar a tecnologia nos meses posteriores à sua contratação pela Telesp. Mas o edital exigia a comprovação anterior e Garbi, no artigo, mente ao dar a entender que isto aconteceu.
"Armados de veículos poderosos", diz Garbi, "jornalistas sentem-se acima do bem e do mal". Como Garbi conclui do seu íntimo contato nas Organizações Globo, jornalistas se sentem assim –mas quem está acima do bem e do mal são empresários inescrupulosos, os que conquistam concorrências com fraudulências.

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