São Paulo, sexta-feira, 14 de janeiro de 1994
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Risco e trabalho

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

Os acidentes de trabalho constituem uma das grandes preocupações da indústria, que dá mais atenção e destina maiores recursos à prevenção, à medida que se sofisticam os equipamentos e surgem novas tecnologias. Graças a essa postura, a situação não é dramática como a de alguns anos atrás, mas continua exigindo muita atenção.
O tratamento dispensado à questão reflete o grau de amadurecimento das indústria, que situa a proteção ao trabalhador como parte importante da gestão comprometida com o aumento de produtividade e, portanto, com a sua própria capacidade de competição. Quanto mais moderna a empresa, maiores os cuidados de prevenção.
A seriedade com que se cuida da questão da segurança no trabalho no Brasil favoreceu o desenvolvimento de um know-how precioso e hoje se pode dizer que temos uma cultura de prevenção, a despeito de os números no país como um todo não justificarem comemorações.
Essa evolução ficou evidenciada no 2.º Encontro Euroamericano Risco e Trabalho, promovido na Espanha, em novembro de 93, pela tradicional Universidade de Salamanca e pela Fundação Mapfre, uma das mais sólidas empresas seguradoras do mundo, reunindo representantes de 25 países.
Várias propostas apresentadas pela Fiesp/Ciesp, fruto dessa reflexão permanente que se exercita no país, foram acolhidos pelos participantes do encontro e incluídas nas suas recomendações finais, que servirão de parâmetro para as políticas de prevenção em todo o mundo.
Dessas recomendações, convém destacar quatro conceitos que se autojustificam: 1) o acidente de trabalho é uma questão social pela qual todos têm responsabilidade; 2) é um forte fator de mensuração da produtividade industrial; 3) segurança e salubridade no trabalho são investimento e nunca despesa a fundo perdido; 4) as empresas modernas precisam investir cada vez mais no tripé qualidade - produtividade - segurança.
A segurança no trabalho está, portanto, intimamente associada ao desenvolvimento. Quanto mais seguras forem as condições de trabalho, maiores os resultados obtidos. É preciso que os empresários, em todos os níveis e independentemente do trabalho do seu negócio, entendam essa verdade elementar, como condição até para seu próprio crescimento.
Na Europa, e particularmente na Espanha, a preocupação com a segurança no trabalho só não é maior do que o temor causado pelo desemprego, que adquire feição estrutural, em razão mesmo da especialização: dos altos níveis de produtividade alcançados pela indústria além, no caso espanhol, de fatores que limitem a competitividade das empresas. Na Espanha, apenas 45 de cada grupo de 100 pessoas com idade para trabalhar (16 a 64 anos) estão empregadas. Na Comunidade Européia essa relação é de 61%. Os Estados Unidos apresentam um percentual de 70% e o Japão, de 75%, provando que este é um problema universal.
Trata-se de uma questão explosiva considerando que, só na Espanha, há cerca de 3,4 milhões de desempregados (22,3% da população economicamente ativa). O seguro-desemprego ameniza o impacto social da crise, que sugere soluções radicais: alguns entendem que só se resolverá com a redução dos salários e maior flexibilidade da legislação trabalhista; outros defendem uma nova forma de divisão do trabalho. De todo modo, soluções vão surgindo: na Alemanha, a Volkswagen propôs aos funcionários a adoção da semana de quatro dias, para não ter de despedir 30 mil. Na Franca, o Senado acaba de aprovar a redução da jornada de trabalho, com queda proporcional dos salários.
O encontro na universidade espanhola transformou-se num debate sobre a crise econômica e suas repercussões sociais e isso é sintomático. Segurança no trabalho e desemprego são problemas do desenvolvimento e precisam ser debatidos por governos, especialistas, empresários e trabalhadores como questões que ameaçam o seu futuro. O Brasil precisa envolver-se mais seriamente nesse debate.

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