São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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Quem manda nos preços?

NOENIO SPINOLA

Diz um estudo da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolviemnto (UNCTAD): "ao longo da década passada os preços do açúcar variaram entre 2,5 centavos de dólar e 41 centavos de dólar por libra-peso, o café entre 60 centavos e 303 centavos, o cacau entre 49 centavos e 147 centavos, o alumínio entre 42 centavos e 162 centavos, o cobre entre 50 centavos e 159 centavos". No curto espaço entre dezembro de 1991 e dezembro passado, o café flutuou entre 58 centavos e 117 centavos.
Com tamanha volatilidade, provavelmente os "traders" no exterior, e não os produtores, tiveram as melhores margens de lucro. Quem observar o café ao longo dos dois últimos anos verá que, não necessariamente, o mercado refletiu a lavoura. Só quando os produtores passaram a falar em um esquema de retenção os preços reagiram, saindo de 60 centavos de dólar para 90 cententavos de dólar. Quando começaram os leilões, as cotações ameaçaram despencar. Depois, convergiram durante algum tempo para um ponto de equilíbrio, mas caíram a cada onda especulativa sobre a continuidade política em Brasília e a capacidade para honrar o esquema de retenção.
Com 14 pregões realizados e compras de 390 mil sacas, os preços medidos pelo Contrato C de Nova Iorque insistem em testar a linha de baixa e realimentam o criticismo contra cartéis. Na opinião média, porém, os leilões são úteis. O sistema aberto permite classificação e árbitros privados. Com isso, o governo escapa à corrupção e ao córner como comprador de refugo. Os pregões em Bolsa podem levar ao que aconteceu com o ouro entre 1986 e 1990, quando acabou o espaço para operações escandalosas de balcão. Muita gente ficou infeliz com isso.
O ano de 1994 começou com os produtores voltando a vender cafés finos e tipos inferiores. A curiosidade sobre o "funding" do esquema de retenção é tanta que até levou perguntas de uma representante norte-americana ao MIC. Se a lógica beneficiasse o interior, as estatísticas de compras dos tipos 6 e 7 valorizariam os cafés de boa qualidade (6 bebida dura). Só que a lógica não funciona mais como nos velhos tempos do IBC. O "trade" mudou e nem todos entendem o papel das arbitragens internacionais para a formação dos preços (por exemplo, ouro São Paulo versus Comex) ou as operações de "spread", "sttraddle" e outras baseadas em contratos com cafés colombianos.
Empresas sem interesses diretos no café ("non-traders", fundos, especuladores) participam hoje com 20% a 40% dos contratos abertos nas Bolsas internacionais. Nos produtos moles ("soft commodities") chegam a 50%. Nos metais preciosos a porcentagem é ainda maior. Um "non-trader" pode dar ordens a corretores sem nenhuma relação direta com a produção ou o consumo. Existem mais de 400 mil contratos abertos de opções de café no Brasil com características financeiras. A cada safra, os Rothfos, a EDF Man, Cargill, os Arons e os Bozzos compram individualmente de 3,5 milhões a 9 milhões de sacas. O grupo Kraft, Nestlé, Jacobs e Procter & Gamble já torrou 40% do consumo mundial.
Dizem os operadores: "quando, portanto, o Brasil decide reter 400 mil sacas, trata-se de uma gota d'água". Não se deve esperar daí mais do que um papel de gatilho que pode servir para reaglutinar lideranças e "fomentar uma base brasileira de formação de preços para o café, o açúcar, a energia e outras commodities." Essas áreas deveriam investir em profissionais e sistemas qualificados para navegar nas ondas gigantescas dos "swaps", contratos futuros e derivativos em geral.
Um papel importante nesse contexto cabe os Fundos de Commodities (FCs). Criados no Brasil há pouco mais de um ano, os FCs têm US$ 8 bilhões e US$ 600 milhões em carteira. Os FCs são obrigados a aplicar um percentual mínimo em futuros agrícolas, mas a velocidade de seu crescimento atropelou muitos gerentes que só conheciam cereais pelo café da manhã.
Com tempo e especialização, os fundos podem operar papéis "securitizados" ou lastreados em estoques. O motivo é singelo: instrumentos como "warrants", certificados de mercadoria e outros substituem títulos públicos que "apodrecem" ns porfólios. E mais: vão reduzir os gastos do governo com estocagem. Isso para não falar no levante da ética contra a fome, um estímulo importante para que os bancos resistam ao financiamento eterno de déficits públicos. O resto corre por conta do aumento da produtividade na lavoura.

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