São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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Morte é heroína dos quadrinhos na era da Aids

ROGÉRIO DE CAMPOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esqueça a Mulher-Maravilha e aquelas bimbos de maiôs metálicos e espadas reluzentes: a heroína dos quadrinhos dos anos 90 é a Morte. Não aquele esqueleto de foice na mão, mas uma mulher bonitinha sempre disposta a prestar o favor de levar as pessoas desta para melhor.
Ela surgiu como personagem coadjuvante do gibi "Sandman" (ed. Globo), mas já ganhou uma minissérie própria, "The High Cost of Living" (O Custo Alto de Viver), e agora está recebendo a consagração: "The Death Gallery" (A Galeria da Morte), um gibi em que ela é retratada por mais de 30 artistas, entre eles o badalado escritor Clive Barker. Nas próximas semanas chega às livrarias norte-americanas uma edição encadernada de sua minissérie e o gibi "Death Talk About Life" (Morte Fala sobre Vida) com a Morte dando conselhos a respeito de prevenção da Aids. Existe até relógio com a cara dela. "The High Cost Of Living" chega ao Brasil no fim do ano, pela editora Globo.
Toda esta popularidade veio sem que ela precisasse mostrar as pernas ou os seios, como fazem todas as heroínas dos quadrinhos que querem subir na vida. Seu traje típico é calça jeans e camiseta preta. No pescoço uma corrente com o ankh, o símbolo egípicio de eternidade.
Esta Morte é criação do roteirista inglês Neil Gaiman. "Ela me surgiu uma semana depois que eu criei o seu irmão Sandman". "Sandman" se tornou o maior sucesso dos quadrinhos adultos contemporâneos. É o carro-chefe da Vertigo, a divisão de quadrinhos adultos da DC Comics, a editora do Batman e Super-Homem. E é o gibi preferido de gente muito diversa, como Norman Mailer e Alice Cooper.
Sandman é Morfeu, o deus grego do sonho. Ele e Morte são dois dos Perpétuos, seres que na mitologia criada por Gaiman controlam quase todas as vidas humanas. Os outros Perpétuos são o Destino, Desejo, Desespero, Delírio (que um dia foi Deleite) e o misterioso Destruição. Paradoxalmente, a mais feliz e "positiva" de todos eles é a Morte.
Ela não é a única mulher que rouba a cena de Sandman em seu próprio gibi. A maioria das edições têm protagonistas femininas –Sandman só dá uma passada para ver como as coisas andam. Talvez por isso seja também o gibi do gênero com o maior número de leitores. E, até mesmo no Brasil, é possível encontrar nas livrarias especializadas ou eventos de quadrinhos, meninas vestidas e maquiadas como a Morte ou até com o Sandman tatuado no braço.
Na idéia de Galman, Morte seria uma mistura de Nico, a bela e desafinada cantora do Velvet Underground, e da atriz Louise Brooks (que por coincidência também inspirou o italiano Guido Crepax a criar Valentina, a principal heroína dos quadrinhos dos anos 60). Mas o desenhista do "Sandman" na época em que a Morte foi criada, Mike Dringenberg, resolveu desenhá-la à semelhança de uma amiga. O resultado é que a Morte ficou muito parecida com a Siouxsie. Combina: seu irmão Sandman também faz o gênero cantor de rock inglês modelo Peter Murphy, Ian McCulloch e Robert Smith.
A Morte apareceu em 89, no oitavo número do "Sandman". Logo nesse primeiro gibi ela "levava" onze almas. Bastou essa pequena aparição para que ela ganhasse um prêmio Eagle (o mais importante da Inglaterra), de melhor coadjuvante. Apesar da popularidade, a Morte é uma personagem misteriosa. Uma das poucas coisas que se sabe dela é que uma vez a cada cem anos, é obrigada a provar o gosto da vida por um dia. É isso que acontece em "The High Cost Of Living".
"Ela não considera a morte uma coisa má. Para ela a morte é uma coisa que existe e pronto", defende o roteirista. "As pessoas sempre estão me perguntando, 'Tem algum membro dos Perpétuos chamado Vida?' E a resposta é não, obviamente que não. Existe apenas a Morte. Isso é como uma moeda. Ela define a Vida. Não existe moeda com um só lado".
Qualquer que tenha sido a intenção, Neil Gaiman conseguiu criar a Morte mais agradável de que se tem notícia. Mais simpática até que a Morte-Jessica Lange de "All That Jazz", o filme preferido do roteirista. "Eu queria uma Morte que fosse agradável de se encontrar, no final".

Revista: The Death Gallery
Desenhos: Neil Gaiman, Clive Barker, Charles Vess, Gahan Wilson e outros
Encomendas: Devir (r. Augusto de Toledo, 83, Aclimação, tel. 011- 178-0384)

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