São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 1994 |
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Imprensa e poder Desde que atribuiu sentido ao primeiro grunhido, o homem vem-se aplicando em tecer comentários sobre a vida de seus semelhantes. Atualmente, com o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação, um comentário sobre a vida de alguém pode chegar, instantaneamente, a bilhões de pessoas. Como nem tudo que é dito deve ser dito ou nem mesmo é verdadeiro, muitos já tiveram suas reputações injustamente destruídas pelo poder de divulgação da mídia. De outro lado, uma imprensa livre é indispensável para a manutenção de uma democracia. Os cidadãos de um país têm o direito de ser informados sobre o passado daqueles que os governam ou pretendem governar. Afinal, como o Brasil aprendeu da forma mais traumática no episódio Fernando Collor, é fundamental conhecer o caráter dos postulantes a cargos públicos. E este revela-se mais através de atos passados do que de promessas de palanque. Estabelece-se assim uma tensão entre dois direitos opostos: o de informar e o de manter-se resguardado. Um bom exemplo desse choque ocorreu esta semana nos EUA. O almirante Bobby Ray Inman, indicado pelo presidente Clinton para a Secretaria da Defesa, desistiu da nomeação e saiu acusando imprensa e políticos, que levantavam dúvidas sobre seu passado, do que chamou de "macarthismo moderno". De fato, não se podem ignorar os riscos de a mídia destruir injustificadamente reputações. Esses riscos estão perigosamente presentes no Brasil de hoje, no qual a uma série de denúncias de corrupção vem somar-se uma explosiva campanha presidencial. O que importa, portanto, é procurar, na medida do possível, estabelecer uma convivência entre os sempre opostos direitos à informação e à privacidade. Em primeiro lugar, há que se distinguir entre o cidadão comum e o postulante a cargo público. Aquele que sobe num palanque e se diz mais honesto que outro candidato tem de passar, é óbvio, pela prova dos fatos e não pode querer que sua vida pregressa não seja examinada e exposta. Um outro ponto a considerar é o do que é ou não lícito abordar. Pode-se discutir, por exemplo, se a vida sexual de um candidato está ou não diretamente ligada a seu futuro desempenho como governante. Nos EUA, entretanto, muitos já tiveram suas candidaturas destruídas por denúncias de infidelidade conjugal. Na realidade, quem determina o que é ou não relevante é a própria sociedade e isso varia de país para país e de época para época. E é da interação entre sociedade e imprensa, de uma influenciar a outra, que se poderá ir estabelecendo caso a caso os limites para a atuação da mídia. Esse processo vai exigir um grande empenho ético por parte dos meios de comunicação. Num momento tão explosivo como o atual, o mau jornalismo poderá levar o país a consequências terríveis. Texto Anterior: Luz no túnel Próximo Texto: Coluna social Índice |
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