São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 1994
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Sambódromo massacrado; Dólares no exterior; Entrevista

Sambódromo massacrado
"Resolvi ir ao Sambódromo ver o que ocorria, levando comigo um colega para tirar fotografias. Queria ver como o meu projeto estava sendo massacrado e fiquei perplexo. Tudo muito pior do que imaginava. Não consegui entrar. Proibem a entrada de fotógrafos. E tive de aceitar essa realidade, impossível em qualquer país civilizado, um arquiteto não poder fotografar sua própria obra. E resolvi voltar aos jornais. Contar o que ocorrera. Dizer como é péssima a solução adotada pela Riotur. Com os espaços livres que separavam as arquibancadas ocupados agora pelos novos camarotes, transformando-as –o que justamente evitávamos– num bloco imenso como um trem de 500 metros de extensão. E a unidade da arquitetura desprezada e tudo tão ruim, tão mal pensado que parece obra elaborada por pessoa leiga ou alguém com o objetivo de desmerecer o Sambódromo definitivamente. É claro que estou revoltado. Não quero conversar com o dirigente da Riotur mais preocupado com negócio do que com samba; nem com César Maia, que conivente com tudo isso ainda não compreendeu como a desfiguração do Sambódromo vai marcar seu governo para sempre. A alternativa, sem dúvida, é a ação popular que vamos promover. Se possível ainda a tempo de anular tanta incompetência. Para isso os departamentos estaduais do Instituto de Arquitetos do Brasil estão recebendo adesões de arquitetos e engenheiros. Não tenho outra alternativa. No tempo da ditadura, fomos obrigados a assumir coisa parecida. Uma ação popular contra a Aeronáutica, que recusava o projeto por nós elaborado para o aeroporto, substituindo-o pela construção existente que dispensa comentários. Agora, as coisas mudaram e mais otimistas vamos recorrer à Justiça, certos de que o direito autoral é coisa sagrada, impossível de omitir."
Oscar Niemeyer, arquiteto (Rio de Janeiro, RJ)

Dólares no exterior
"Em declarações a Gilberto Dimenstein, o ministro Stepanenko, do Planejamento, disse que quer que os brasileiros que têm dólares no exterior os tragam de volta para fecundar, com investimentos, a economia nacional. Creio que, somados esses dólares aos escondidos 'debaixo do colchão', chega-se a 60 bilhões (pergunte-se ao lúcido Aloisio Biondi). Para saber como fazer para esse vultosíssimo capital ser investido aqui, basta indagar qual a razão pela qual Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e outros países são procurados para guardá-los, por pessoas de todo o mundo subdesenvolvido. A resposta é uma só: na Suíça, Estados Unidos etc. há previsibilidade das ações estatais, Poder Judiciário verdadeiramente independente, garantias efetivas contra casuismos legislativos; enfim, há governos responsáveis. Nesses países não há pacotes, planos econômicos, surpresas, revisão constitucional, medida provisória etc. Enfim, há o único e suficiente requisito para atrair dinheiro: segurança jurídica. O Brasil só terá de volta esses 60 bilhões de dólares se for capaz de criar esse clima especial de 'atrair' dinheiro: segurança jurídica. Enquanto não chegar aí, vai ser mais parecido com Uganda. O investidor não teme a lei má. Tem pavor da lei instável."
Geraldo Ataliba, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (São Paulo, SP)

Entrevista
"Mostrando o pau para a Revista da Folha (edição de 16/01). Queimar a 'alma subterrânea' e querer cidadania para criação do artista, que sempre acontece nos subterrâneos antes de vir à Agora. Não sou puta arrependida, me orgulho de ser 'sessentóide', não me interessa 'apagar a pecha de louco', nunca fiz 'happening de rua', mas te-ato, não descobri o 'fazer' em 1994. O Teatro Oficina não é um cogumelo, vem de muitos fazeres. Tesouros estão estocados no apartamento triplex de 137 mil cruzeiros reais. Lá é o ninho de tudo que acontece e vai acontecer ainda publicamente enquanto a Agora não vem. Não é só onde moro com meu 'namorado' Marcelo Drummond, que não é meu 'namorado'. Vivo, crio, amo, luto, com este artista parceiro de tudo que venho fazendo nos últimos sete anos. Ator, ele é o 'Ham-let' e não tem como profissão ser 'meu namorado', ao lado da 'cozinheira Zuria' e do ator Pascoal da Conceição. Não somos 'casados', vivemos num concubinato –parceria de criação. Assim foram todas minhas ligações. Meu afrodisíaco não é vinho tinto nem maconha como tinha dito, mas arte. Não tenho 'somente relações profissionais' com as mulheres. Adoro bacas, balacas, cacildas, elas me inspiram mais a libido criativa que bofes. Não 'torrei', investi o dinheiro que herdei de minha família no Uzyna Uzona, nem 'queimei' a grana da venda do Arquivo do Oficina. Apliquei nos três meses de ensaios de 'Bacantes' com quase 30 artistas –disto lucrei a confirmação da forma arquitetônica do Oficina. 25 canções desta ópera de Carnaval e vídeos maquetes do trabalho que me permitem agora economizar tempo na montagem do nascimento de Dionisios nos trópicos que logo chegará. Não estou 'cortejando' J.C. Martins na fotinha, mas em ação teatral da qual resultou os alicerces do atual Teatro Oficina. Não é por ele estar envolvido em corrupção que vou cair na cafonice oportunista de desconhecê-lo como grande pianista e pessoa entendida do papel da arte como riqueza social. O Teatro Oficina comemora 33 anos de acolher criadoramente toda contribuição milionária das contradições, erros e acertos desta cidade de 440 anos. Não há 'melhor ator-atriz': depois da década do desenho de arte, os talentos imensos desta arte no Brasil estão pondo em movimento suas potências e entrarão no milênio não como 'uma boa mídia', mas como mídia em si, na libertária criação do corpo ator em ação. A foto da capa da revista é lindíssima, mas estarei não atuando se não disser que preferia uma com o pau aparecendo. Vão dizer que sou irrealista. Artista de teatro, só a materialização do sonho me interessa. E quanto a mim já sagrei São Caralho inteiro e Santa Boceta de onde todos nós graças as deusas viemos. E graças a Luiz Antonio Fleury Filho e Ricardo Ohtake, que vão inaugurar o Oficina com festa televisiva este ano. E viva Roberto Piva!"
José Celso Martinez Corrêa, diretor teatral (São Paulo, SP)

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