São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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De Palma guarda o melhor para o fim

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

"O Pagamento Final", o novo caça-níqueis de Brian De Palma, começa e termina com a agonia de seu (anti) herói, marcado para morrer desde a cena de abertura. Outro não podia ser o destino de Carlito Brigante, traficante de heroína do Harlem hispânico, que a todos surpreende ao jurar, diante de um tribunal, que dali em diante sua vida será imaculadamente limpa. Mas os fados não permitem que ele cumpra o prometido. Como tantos outros dramas alinhavados por tiros e porradas, "O Pagamento Final" tem um débito a resgatar com o fatalismo. Talvez por isso seu protagonista entre e saia de cena sempre vestido de preto.
Ainda que a presença de Al Pacino nos traga à memória as figuras de Michael Corleone, Serpico e Tony Montana, Carlito descende de uma linhagem de arrependidos com mais de meio século de bons serviços cinematográficos. Carlito é uma mistura do chofer encarnado por James Cagney em "Heróis Esquecidos" (de Raoul Walsh) com o aposentado pistoleiro vivido por Gregory Peck em "O Matador" (de Henry King). Sua dramática reinserção social lembra, aqui e ali, os velhos filmes de gângster da Warner e também a desventura de Fausto, com o advogado David Kleinfield (Sean Penn, irreconhecível) no papel de Mefistófeles.
Como tudo se passa em plena era disco (meados da década de 70), De Palma atravanca o caminho de Carlito com tipos, sons e ambientes de "Os Embalos de Sábado à Noite". Não satisfeito, o pavimenta com a truculenta cafonice de "Scarface" (a segunda versão, bem entendido). Resultado: uma carnificina barulhenta, esquemática e sem textura, que não consegue se redimir como uma genuína tragédia sobre a ressurreição. Salvo por isolados surtos de inspiração no uso do espaço e da montagem, a direção é de um convencionalismo acabrunhante.
Nas duas extremidades do filme, o que ele tem de melhor: um prólogo e um epílogo de extraordinário impacto visual. Os 20 minutos finais valem o ingresso. Partindo do convencional (uma perseguição que se inicia no Harlem e termina na Grand Central Station de Manhattan), De Palma monta uma pequena obra-prima de angústia, suspense e coreografia. Tão primorosa ela é que até parece um plano-sequência. O crítico Terrence Rafferty não estava mentindo quando disse que os grandes momentos de "Carlito's Way" parecem sonhos de outro filme, muito melhor do que este.

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