São Paulo, sexta-feira, 21 de janeiro de 1994
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O voto destituinte

Os gregos inventaram a democracia e a exerceram em sua forma mais perfeita: diretamente. Cada cidadão era ele próprio parte do corpo legislador. Isso só era possível porque as cidades-estado gregas eram extremamente reduzidas (contavam com 10 mil cidadãos) e ainda assim boa parte da população –como mulheres, escravos e estrangeiros– estava excluída do processo político.
Mas as cidades foram se organizando em nações e o conceito de cidadania foi-se ampliando, tornando impraticável um corpo legislativo formado pela totalidade dos cidadãos. A solução encontrada foi a adoção da democracia representativa: os cidadãos delegam através do sufrágio universal e periódico seus poderes de legislador a um representante.
Esse sistema está longe de ser o ideal e permite uma série de distorções, mas a história está repleta de exemplos que provam que é o melhor que a humanidade já encontrou. E mais, ele sempre pode ser aperfeiçoado.
Um mecanismo interessante que poderia aproximar o representante do representado recuperando um pouco mais o espírito original da democracia é o do voto destituinte, que permite ao eleitor "cassar" o mandato do parlamentar que não cumpre adequadamente suas atribuições. Projeto ainda tímido nesse sentido acaba de ser levado ao relator da revisão constitucional.
A idéia central é bastante simples e justa. Uma vez que o eleitor delega a seu representante um poder que é exclusivamente seu, é razoável que ele possa chamar de volta para si esse poder se não estiver satisfeito com o desempenho de seu parlamentar. É mais ou menos como trocar de médico ou advogado se se perde a confiança no profissional.
É claro que existem dificuldades. O voto destituinte, que os norte-americanos adotam com o nome de "recall", funciona sem maiores problemas no sistema distrital. Num sistema proporcional como o brasileiro fica mais difícil, embora não impossível. É bom lembrar, aliás, que a revisão constitucional é também uma boa chance de o país adotar a representação distrital mista, que também caminha no sentido de aproximar eleitores e eleitos e resguarda a representação de partidos minoritários.
Enfim, merecem todo apoio as propostas que visem a trazer a política para mais perto do cidadão. Já é hora de cada brasileiro tomar consciência de que tudo que um político faz, faz em seu nome e usando de um poder que é exclusivamente seu.

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