São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 1994
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Dinheiro atiça a 'guerra dos rodoviários' no ABC

BOB FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Dinheiro atiça a 'guerra dos rodoviários'
A ideologia pode até alimentar a violenta luta pelo poder que levou à morte de Oswaldo Cruz Júnior, o Oswaldão, ex-presidente do Sindicato dos Rodoviários do ABC. Mas, em depoimentos à Folha, quatro dos principais personagens deste enredo que mistura violência e denúncias de corrupção, dizem, com simplicidade, que o dinheiro é o que mais atiça os ódios nesta guerra de motoristas, fiscais e cobradores.
"O cara tem que fazer o pé-de-meia aqui", diz José Carlos, "Carlinhos", 29, testemunha do crime e secretário de imprensa de um sindicato que tem orçamento de US$ 5,4 milhões para este ano.
"Duvido que a CUT faça a auditoria que promete. Se fizer, todos vão sair sujos, inclusive a CUT", diz Sonia de Carvalho, 30, que coordena a contabilidade e as finanças do sindacato.
"Do ponto de vista técnico, que é minha responsabilidade, está tudo correto. Mas há muita ilegalidade na gestão das coisas", diz ela. Clodovil Cruz, "Clodô", irmão de Oswaldão e diretor de relações nacionais e internacionais do sindicato, abre um pano de fundo para a guerra: "A CUT se filiou a CIOSL. Oswaldo preferiu ficar na UIS-FSM e aí começaram a fritá-lo."
A CIOSL (Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres), com sede em Bruxelas, abriga também a Força Sindical e a CGT. A UIS-transportes é um braço da FSM (Federação Sindical Mundial), até o final da guerra fria dirigida pela URSS e hoje pela CGT francesa.
Há uma terceira central, católica, a Confederação Mundial do Trabalho. Todas recebem projetos dos sindicatos filiados e repassam dólares. "Se a CUT não tivesse entrado na CIOSL no ano passado ia definhar, porque as outras centrais iam receber o recursos sozinhas", diz Clodovil.
"Não tem isso de ideologia, a briga é por dinheiro, pelo mau uso do dinheiro dos trabalhadores", diz Cícero Bezerra da Silva, "Cicinho", 44, presidente do sindicato após a morte de Oswaldão. Cícero acusava Oswaldo, e por ele era acusado, de corrupção e enriquecimento ilícito.
O Sindicato dos Rodoviários e Anexos tem 23 mil trabalhadores na base e l2 mil filiados. No ABC, a CUT tem cerca de 200 mil trabalhadores sindicalizados e arrecada cerca de US$ 6 milhões. Hoje a CUT tem 2.153 sindicatos filiados e, em todo o país, 4 milhões dos 16 milhões de operários destas organizações estão sindicalizados.
Roupa Suja
Cicero Bezerra despacha no 3.º andar, numa sala em frente ao gabinete da presidência, lacrado pela polícia desde a morte de Oswaldão. Ele diz estar com medo de ser assassinado e anda cercado por seguranças. Dois deles, verdadeiros "armários", Robsonae Roitman, tentam sem sucesso esconder as pistolas que carregam. Oficialmente estão registrados como motoristas.
Dois andares abaixo quem despacha, comandando a ala oswaldista, é Clodovil. "Estou prevenido", diz ele, que tem sempre dois ou três homens por perto, certamente armados como grande parte dos frequentadores da sede. Estacionada em frente ao prédio uma viatura da PM e, de plantão, sempre quatro ou cinco policiais.
Em três dias de conversas no sindicato, além de aulas sobre a potência de armas, que mais se ouve é denúncia. Oswaldão, sentindo-se abandonado pelo PT e pela CUT, havia acusado Lula de usar um caminhão do sindicato nas campanhas eleitorais. Disse também que o sindicato pagou despesas de campanha para candidatos do PT, PSDB e PTB nas eleições para vereador em 92.
Agora os aliados de Oswaldão afirmam que a CUT desviou para campanhas dinheiro enviado pelo sindicato. Isto no plano institucional. No pessoal, Clodovil e seus aliados, além de atribuirem a Cícero o mando da morte de Oswaldão, o acusam de corrupção e enriquecimento ilícito. Do mesmo era acusado Oswaldo, dono de vasto patrimônio imobiliário segundo Cícero e Carlinhos.
O depoimento de Sônia Carvalho, os detalhes na descrição de atos de corrupção feita pelos envolvidos e a simples observação durante três dias leva a crer que, nesta guerra de acusações, quase todos parecem ter razão.
Tesoureiro geral da CUT, Kjeld Aagaard Jakobsen falou à Folha sobre os fundos da central sindical UIS-FSM que, segundo Sonia, não teriam chegado ao sindicato. "A CUT nada tem a ver com isto. O Oswaldo optou pela UIS e nós somos filiados à CIOSL. Se eles recebiam algo para seus projetos era direto".
Sonia Carvalho diz duvidar do empenho da CUT em fazer uma auditoria no sindicato.
"Queremos a auditoria. Se houve má-gestão a responsabilidade vai ser de toda a diretoria. Quem assina cheque é o presidente (até então Oswaldo) e o tesoureiro (Xexéu, ligado funcionalmente à Sônia)", diz Kjeld.

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