São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 1994
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'Estamos atrasados 20 anos', diz Serroni

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1987, na Quadrienal de Cenografia, Indumentária e Arquitetura Teatral de Praga (República Tcheca), o cenógrafo, figurinista e arquiteto teatral brasileiro J.C. Serroni, hoje com 43 anos, recebeu menção honrosa do júri internacional –"por combinar arte latino-americana tradicional com o conceito moderno de teatro". No entanto, como conta na entrevista a seguir, a sensação que teve, participando do evento, foi de que o Brasil "estava mais de 20 anos atrasado".
"Só agora estamos começando a dar importância para a cenografia e, em especial, para a cenotécnica", diz o autor da cenografia de "Vereda da Salvação", peça de Jorge de Andrade atualmente em cartaz em São Paulo (no Teatro Sesc Anchieta), dirigida por Antunes Filho. Serroni é candidato ao Prêmio Shell de Teatro por esse cenário.
O uso de elementos artesanais em espetáculos modernos e experimentais é a marca do trabalho de Serroni. Trabalho que ele há seis anos pode desenvolver no CPT (Centro de Pesquisa Teatral) do Sesc Anchieta, departamento coordenado por Antunes Filho. O CPT agora está começando a trabalhar na adaptação teatral da "Epopéia de Gilgamesh", que deve estrear no final do ano ou, mais provavelmente, no início de 1995. Sobre essas experiências Serroni falou à Folha.
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Folha - Como é trabalhar com Antunes Filho?
José Carlos Serroni - O mais importante é que aqui no CPT podemos manter uma pesquisa, uma continuidade de trabalho. Temos um verdadeiro laboratório de cenografia. Vamos trabalhando em diversos projetos ao mesmo tempo, mas o que decidimos fazer é sempre planejado com antecedência; quer dizer, existe realmente uma continuidade. E trabalhar com Antunes é bom porque ele é um diretor que sempre pensa no espaço teatral em primeiro lugar –não é no texto, nem na encenação. Toda vez que vamos iniciar um trabalho, ele se senta comigo e me passa uma idéia do que pretende; são referências em estado caótico, que cabe a mim organizar, elaborando e fazendo sugestões.
Folha - No caso de "Vereda da Salvação", como foi esse trabalho conjunto?
Serroni - A peça previa três casas numa clareira de uma floresta. Depois de conversar com Antunes, sempre faço uma maquete. Como a peça trata de religião, de misticismo, achamos que devíamos usar muitos troncos, dar uma verticalidade, o que tem a ver com a ascensão etc. Decidimos então, por uma questão de economia cênica, abolir uma das casas e só insinuar as outras duas, fazendo apenas suas entradas, que parecem as de um templo.
Folha - Alguns troncos foram coloridos. Por quê?
Serroni - O Antunes achou que a cenografia estava muito realista, e a idéia da montagem era justamente aliviar o naturalismo. Então eliminamos troncos –antes eram 200, depois ficaram 110– e pintamos um de laranja, um de vermelho e um de verde. Também para aliviar o realismo, colocamos aquela mancha branca na parede azul que fica na frente, à direita. O cenário estava muito ortogonal, muito escultórico, e aquela mancha é um elemento mais expressivo, com grande carga simbólica: tem a ver com a cena em que eles se jogam contra a parede, tem a ver com os tiros e com sangue. Se a cenografia fosse realista, a montagem perderia muitas leituras.
Folha - Quais são os cenógrafos que o sr. admira e tem como referência?
Serroni - Sempre me remeto ao trabalho de Svoboda (cenógrafo polonês), mais por sua limpeza, por sua economia, por seus planos livres. Acho que só falta ali um trabalho artesanal, falta humanidade. Neste sentido gosto do trabalho feito por Flávio Império, por sua preocupação com a textura, pela reciclagem de material que usava para fazer os adereços. Acho importante o cenógrafo fazer o figurino.
Folha - Quais são os cenógrafos brasileiros vivos de cujo trabalho o sr. gosta?
Serroni - Gosto do trabalho de Romero (Andrade Lima) com os figurinos. Acho o trabalho da Daniela Thomas interessante, principalmente pelo aspecto plástico, e pela carga dramática. Mas tenho mais afinidade com os cenógrafos que se preocupam também com a cenotécnica, com a infra-estrutura teatral, como o Riper, Márcio Tadeu, Gianni Ratto, o Naum da outra fase. O Brasil tem condições muito ruins de cenotécnica. Em 1987 estive em Praga para a Quadrienal de Cenografia e percebi isso como nunca. Estamos uns 20 anos atrasados, estamos tentando resolver problemas que eles já resolveram faz tempo. Mas acho que finalmente se está acordando para isso. A figura do cenógrafo está crescendo.
Folha - E quais os melhores teatros de São Paulo?
Serroni - Um teatro perfeito, 100% perfeito, não existe em São Paulo. Sesc Anchieta, Municipal, Sérgio Cardoso, Cultura Artística, Maria Della Costa são os melhores, mas todos têm alguma precariedade técnica. Falta equipamento de luz, faltam condições cenotécnicas (altura do urdimento, varas elétricas, palco giratório), falta o espaço devido (coxias, camarins etc) e falta personalidade aos teatros, que em geral são prédios reformados ou adaptados. E tem essa mania de só construir coisas grandes. Seria melhor fazer bons teatros médios, de 600 ou 700 lugares, com os elementos bem amarrados, com uma relação palco-platéia satisfatória. Mas todos os que estão sendo construídos em São Paulo têm 2.500, 3.000 lugares!

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