São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 1994
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As reformas políticas na revisão

MIGUEL REALE JUNIOR

Há soluções valiosas propostas pelo relator da revisão constitucional, deputado Nelson Jobim (PMDB-RS).
Destaque positivo merecem as sugestões no sentido do voto facultativo, a inversão do procedimento relativo à imunidade parlamentar, e a proibição de reedição de medida provisória.
O voto facultativo é, como ressalta o parecer do relator, adotado na maior parte das democracias ocidentais, sendo o voto obrigatório uma fonte de contaminação do todo, antes de ser empecilho ao fisiologismo e ao abuso do poder econômico.
Vitoriosa a revolução de 1848 na França, os revolucionários, em busca de legitimidade, convocaram eleições, modificando o sistema de voto censitário, pelo qual apenas votavam pessoas com determinada renda, para o do sufrágio universal.
A consequência não foi a vitória das forças progressistas, ao contrário, pois pela primeira vez, após a Revolução Francesa, representantes da nobreza e do clero foram eleitos e em número considerável, por meio da pressão dos líderes conservadores sobre a população que lhe era dependente, na vassalagem e na fé.
O descamisado ou o colarinho branco, desde que desinteressados do processo político, são ambos levados a votar na camisa-de-força dos carismas e da propaganda enganosa, como sucedeu com o furacão Collor.
Se o voto for facultativo, a opção de participar, sendo exclusiva do eleitor, conduzirá a uma escolha com maior consciência, independentemente de seu nível cultural. A simples escolha por votar indica que a decisão em quem votar será fruto de uma avaliação mais amadurecida.
Por outro lado, aquele que deixar de votar, omitir-se, não deixa de estar adotando uma posição: a de conformismo com o status quo, que não pretende ver modificado, pois do contrário iria às urnas.
Por fim, as minorias cientes e conscientes dos seus interesses, que pretendem ver defendidos por seus representantes, terão maior chance de eleger seus candidatos, cuja votação não se perderá no amontoado de opções inconsistentes.
Quanto à imunidade parlamentar, a solução aventada é valiosa, ao se dispor que o processo pode ser instaurado, comunicando o Supremo Tribunal Federal à casa do Congresso a que pertence o parlamentar, a qual poderá a qualquer tempo determinar a sustação do feito.
Se por um lado não se elimina a imunidade processual, visto que muitas podem ser as vicissitudes e percalços a serem enfrentados pelo parlamentar no exercício de sua função, sujeito a perseguições e intimidações, por outro não se faz dessa imunidade uma impunidade, pois a suspensão do processo não dependerá da inércia do Congresso e sim de seu interesse em determinar a paralisação da ação penal.
Outra proposta importante está nas restrições a que ficam sujeitas as medidas provisórias.
A vedação de reedição de medida provisória, não apreciada no prazo de 60 dias (prazo que hoje é de 30 dias), é fundamental para se retirar o caráter autoritário do instituto, pois no sistema atual transforma-se o provisório em permanente, por força de reiteradas reedições, chegando o governo a obstruir a votação, mesmo porque não votada a medida provisória, sem o risco da rejeição, é ela reeditada, para se perenizar a validade de suas disposições.
A redução do mandato do presidente da República para quatro anos é outra sugestão válida, buscando conjugar a eleição para o Planalto com a eleição para o Congresso, com vista à formação de uma base parlamentar, eleita junto com o presidente.
Com o mandato de quatro anos, propõe-se a reeleição, que se estende a todos os cargos do Executivo, para permitir a continuidade administrativa de uma boa administração. Inadmissível, no entanto, é a proposta de que concorram no exercício do cargo. Pior ainda a de que os ocupantes destes postos possam candidatar-se a outros cargos.
A justificativa do relator, nestas matérias, é insatisfatória, pois argumenta que o afastamento dos cargos não impediu a corrupção eleitoral. Assim sendo, o argumento funda-se em um sofisma: com a incompatibilidade houve corrupção, logo não é a incompatibilidade capaz de impedir a corrupção; elimine-se, então, a incompatibilidade, pois a corrupção decorre de outras causas e não dela.
O certo é dizer que mesmo com o afastamento dos cargos houve corrupção. Imagine-se sem!!!
Imagine-se, também, se os deputados aprovarão dispositivo que permita aos prefeitos, com a força que têm nos seus municípios no exercício do cargo, com forte poder de barganha, candidatarem-se a deputado federal, sem se desincompatibilizarem.
Por fim, cabe destacar que a alteração do jogo eleitoral neste instante, com imensos interesses de governadores em candidatar-se sem largar o poder que têm nas mãos, é um mau caminho para uma revisão da Constituição, que visa aprimorar o nosso sistema político.
A negatividade desta sugestão não desfaz as expectativas de importante contribuição que a revisão trará ao país, sob a batuta de competente relator, no momento em que o Congresso tem a oportunidade de consolidar uma boa imagem.

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