São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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Dá para comemorar

TASSO JEREISSATI

Pela primeira vez na história, o Congresso corta na própria carne. E o mais importante: por iniciativa própria, sem interferência de outros poderes –porém, sob a vigilância da sociedade. Tudo indica que estamos dando fim a um ciclo em que prevaleceu a impunidade, a vista grossa às irregularidades e à prática de corrupção.
A recomendação de cassação de 18 parlamentares (que pode parecer pouco para a sociedade, mas é número significativo para o Congresso) e outros tantos permanecendo sob investigação é, sem dúvida, um resultado notável que merece o reconhecimento da nação. Não se tem notícias de um parlamento que tenha feito tamanha autolimpeza, por iniciativa própria.
O Brasil escolheu caminho próprio para reencontrar a trilha do crescimento econômico e deve persegui-lo dentro das normas democráticas, a partir de medidas moralizadoras.
Há que se arriscar a dizer: os avanços democráticos que temos obtido depois de dois processos consecutivos de busca dos princípios éticos (primeiramente, com a CPI do PC, que atuou no âmbito do Executivo, e agora a CPI do Orçamento, no âmbito do Legislativo) compensam os passos lentos que temos dado rumo à estabilidade econômica. Isso significa que, quando atingirmos esta reclamada estabilidade econômica, nossa democracia, testada seguidas vezes, será uma democracia consolidada.
Nossos vizinhos que conseguiram espetaculares resultados na economia não experimentaram avanços tão ousados no aperfeiçoamento de suas democracias. Também por isso, lhes foi possível implementar mais rapidamente medidas transformadoras, e hoje alguns já podem exibir resultados. Porém, sem a participação da sociedade e sem a vivência democrática que temos tido.
A trilha do Brasil é outra. Rompemos o ciclo da impunidade que se transformou numa danosa lógica nas relações políticas. Deste processo todo, o Congresso ressurge revigorado, tendo feito a cirurgia de dentro para fora, sem influências externas.
O importante, agora, é que este novo Congresso esteja vacinado contra os vícios do passado, que deixam tantas marcas. As mudanças na legislação já estão sendo propostas e discutidas no âmbito da revisão constitucional. É preciso, no entanto, verticalizar estas medidas moralizadoras, para que se espalhem às diversas assembléias legislativas e câmaras municipais de todo o país, eliminando-se cacoetes do passado e práticas clientelistas.
Este processo pelo qual estamos passando é uma exigência da sociedade –é bom que se diga– e ao mesmo tempo pressuposto para o objetivo final, que é a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
Isso só será conseguido no dia em que tivermos a inflação sob controle, com o Estado capaz de retomar a condução das políticas públicas, oferecendo à população os serviços básicos. Não se pode perder de vista a perspectiva de que estamos, por aproximação sucessiva, criando as condições para isso.
É fundamental, neste passo seguinte, a arrumação da economia, para que se libere a população pobre do pagamento do perverso imposto, que é a inflação. Para que não surjam levianos e aventureiros afirmando que democracia e moralidade nas práticas políticas não significam comida na mesa dos brasileiros.

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