São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 1994
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"Viva Zapata!"

DAVID LERER

Um Marlon Brando jovem de longos bigodes caídos faz Emiliano Zapata no clássico de Hollywood sobre a Revolução Mexicana. Zapata não aceitou a transformação dos latifúndios em modernas agroindústrias de cana ao estilo norte-americano, com muitas máquinas e poucos homens. Zapata e seu exército de camponeses queriam uma reforma agrária com a volta aos "ejidos", antigo sistema indígena dos parcelamentos. Zapata era visto como um caipira arcaico, inimigo do progresso e da modernidade. Um perigo.
Zapata foi emboscado e morto pela facção que originou o atual PRI, mas o "ejidos" acabaram sendo implantados. Os camponeses cultivavam milho, feijão, tomates, cebolas, chili, e criavam galinhas. Vendiam o excedente para as cidades. Aí, chegou o progresso.
Em 1970, quando visitei o túmulo de Zapata, sua Morelos natal já tinha sido invadida por uma fábrica japonesa de automóveis e pelas casas de campo dos novos-ricos. Os antigos donos da terra foram lavar pratos nos Estados Unidos, ou engrossar o exército de desempregados nas "ciudades perdidas" da capital. Ciudades perdidas são favelas. Graças a elas, a Cidade do México tornou-se a maior metrópole do mundo.
A custa de muito ajuste e aperto, o México consegue entrar no Nafta, tratado de livre comércio com os Estados Unidos e Canadá. No melhor da festa, mil índios se levantam no extremo-sul invocando o fantasma de Zapata, o arcaico. Egoístas e caipiras, os zapatistas só enxergam o desemprego que o Nafta vai causar aos plantadores de milho da paupérrima Chiapas. Não pensam nos benefícios do Nafta para o povo.
Será verdade? Sem dúvida, o Nafta significa grandes negócios e bilhões de dólares. Muitos mexicanos vão sair ganhando. Alguns ficarão milionários, principalmente os que estão ligados à máquina do PRI, no poder há 65 anos (com essas CPIs, nós brasileiros aprendemos um bocado sobre a arte de enriquecer jogando na loteria). Mas um número enorme de mexicanos sairão perdedores.
Não importa. Para os perdedores sobrarão as "ciudades perdidas", as novelas da Televisa e a sopa dos pobres. Quanto aos índios subversivos o governo já pode inaugurar o Nafta importando sem taxas a fórmula dos norte-americanos aplicada aos belicosos navajos e apaches: a reserva indígena de Chiapas. Lá os índios viverão em paz, protegidos dos agitadores, fabricando mantas coloridas para os turistas do norte.

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