São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 1994
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Os fantasmas dos outros

FRANCISCO C. WEFFORT

Talvez Antônio Carlos Magalhães tenha razão ao dizer que Lula não passa dos 30%. Mas a verdade é que há muita gente por aí tremendo nas bases, como se o Lula já tivesse passado dos 50%. Senão, como entender o nervosismo de parte da imprensa em tudo que diz respeito a Lula e ao PT? A TV Globo deu shows de parcialidade jornalística no caso do assassinato de Oswaldo, do Sindicato dos Rodoviários do ABC. Leio perplexo, nesta Folha, uma comparação feita por Carlos Heitor Cony entre Lula e Hitler. Isso tem mais a ver com as fobias de Cony do que com qualquer coisa parecida à realidade. Se começamos por aí em janeiro, a que ponto chegaremos em novembro?
É preciso buscar a raiz deste mal-estar em coisas mais sérias. Por exemplo, o espaço aberto pela Folha à última reunião do diretório nacional do PT, e que, a meu ver, fez justiça à importância do discurso do Lula ao abrir de vez as perspectivas de aliança na campanha petista. A Folha, porém, me parece, perdeu o pé. O título afirma que "Lula tenta retomar o comando do partido", mas a matéria contém pouquíssima informação sobre o que Lula realmente disse na reunião. Embora apresente uma descrição da situação atual do PT, não dá nenhuma atenção a esta pergunta central: teria Lula realmente perdido alguma vez o comando do partido? O que há de real nisso que alguns chamam de crise nas relações entre Lula e o PT?
Lula observou que, em vários Estados, o PT não tem condições reais de lançar candidato a governador. Em casos assim, prosseguiu, não seria melhor apoiar para governador, no primeiro turno, alguém de outro partido, na expectativa de que, no segundo turno, este apóie o candidato do PT para a Presidência? Deixou claro que, para o PT, a eleição para presidente é mais importante do que as eleições para governador. E apelou para o realismo político do diretório: mesmo admitindo que o PT duplique a sua bancada, quais as chances reais de Lula, se vier a contar apenas com um ou dois governadores como aliados ou, eventualmente, com nenhum?
Não se pode, portanto, vencer sem aliança, dizia Lula. E acrescentava: menos ainda se pode governar sem alianças. A Folha, que relatou estes argumentos centrais, diz que Lula os empurrou "goela abaixo" do diretório. Eu estava lá e não vi isso. Supondo que fosse possível, teria sido necessário? O PT já teve dificuldades ideológicas com alianças políticas, mas estas foram resolvidas há mais tempo. Por que deveria ter dificuldades com alianças eleitorais quando seu candidato à Presidência é o primeiro da fila nas pesquisas?
O problema maior é outro. O PT, que está fazendo um esforço considerável para passar de pequeno a grande, ainda vai ter que se esforçar muito mais. Por exemplo, um problema adicional, que não foi examinado: estamos entrando em eleições gerais, casadas, mas sem voto vinculado. Daí que podem existir em muitos Estados candidatos a governador, de diferentes partidos, que lucrariam votos se se aproximassem do candidato do PT à Presidência. Não sei se Lula considera esta hipótese. Mas ela envolve complicações futuras. Como também envolve complicações uma pergunta de Luiz Eduardo Greenhalgh, à qual ninguém respondeu: é a campanha presidencial que vai dar o tom, "puxando" votos para os candidatos a governador, senador e deputado, ou, ao contrário, serão estes que "empurrarão" votos para o candidato a presidente?
O problema maior, que vale para o PT e para qualquer partido, é que estamos no Brasil, um país de baixo grau de estruturação política, e onde alianças políticas se tornaram extremamente difíceis de se realizar. O que talvez esteja na raiz do crescente nervosismo que se observa por aí. Embora, no plano das especulações, talvez Antônio Carlos Magalhães tenha razão e o Lula não passe dos 30%, na dura realidade dos fatos, é ele, ACM, quem tem que provar que é capaz de chegar a 30%. Ele próprio ou algum dos seus aliados. ACM seria capaz de liderar uma aliança capaz de gerar, em prazo útil, pelo menos 30% de expectativa de votos? Quem quiser saber das dificuldades de um passo deste tamanho, pergunte ao senador Pedro Simon (PMDB-RS), que está há algum tempo falando em uma aliança PMDB-PSDB-PDT-PTB, sem conseguir sair do lugar.
A realidade é que há um enorme vazio de alternativas que possam alcançar os 30% de Lula. Não seria desse vazio que nasce todo este nervosismo a respeito de Lula e do PT? Não seria daí também que surgem as teorias sobre a crise das relações entre Lula e o PT? Eu creio que há, entre liberais e conservadores, quem se dedique a criar fantasmas para usos de esquerda. A estes senhores, um certo gosto pelo senso comum não faria mal. Por que deveriam o PT e Lula estar em crise, se foram capazes juntos de criar uma alternativa de poder que, até aqui, nenhuma das demais forças foi capaz de criar? Organizem-se, senhores, escolham os seus candidatos, comecem as suas campanhas. É assim que se faz democracia.

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