São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Conceito de pico e média traz polêmica na conversão

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

É burrice ou desonestidade. Assim, nestes termos, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira definiu a suposta perda dos salários que seria provocada na conversão pela média para a URV (Unidade Real de Valor). O Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas) divulgou estudo que aponta perda de 33% para o salário mínimo.
Dizendo que existe muita confusão no Brasil inteiro sobre o Plano FHC, Bresser afirma que os cálculos do Dieese "não mostram perda e sim apenas a diferença entre pico e média".
O Dieese confirma. "O cálculo mostra a diferença entre o pico e a média. Você conheçe algum contrato indexado pela média? Qualquer contrato busca indexação para manter o pico. É assim com os salários, no mercado financeiro, nas dívidas de forma geral", diz Antonio Prado, coordenador de Produto Técnico do Dieese.
Segundo Prado, a discussão da média foi introduzida pelas estratégias de estabilização, que buscavam combater a inércia inflacionária. "É um artificialismo que se revelou incapaz de interromper o conflito distributivo. Tanto que o salário real continuou caindo."
Para Prado, a conversão pela média é acadêmica. "A média tem racionalidade macroeconômica mas os contratos são atomizados. Cada agente vai reagir."
Simplificando, as duas posições podem ser descritas da seguinte forma: o Dieese defende que o que conta é o valor do salário que está no holerite. A idéia da média parte do que é chamado de fluxo de caixa. Ou seja, o salário (entendido como poder de compra) efetivamente recebido e pago ao longo do tempo.
O economista Paulo Nogueira Baptista Júnior, da FGV, diz que não haveria perda se os preços fossem convertidos pela média, "que é uma forma que não altera a distribuição de renda". O problema, diz, é operacional. "O que acontece é uma corrida de reajustes. Todos que têm capacidade de fazer preços buscam se posicionar de forma favorável para o momento da conversão."
Essa corrida, com a largada dada pelo ministro com o anúncio antecipado do plano, acabou, segundo Baptista Júnior, mudando o patamar de inflação, deprimindo os salários e "alterando para baixo a própria média".
Por que, então, não converter todos os preços, salários inclusive, pelo pico? Gesner Oliveira, secretário-adjunto de Políticas Estruturais do Ministério da Fazenda, responde: "O pico não é compatível com uma estrutura estável de preços. O pico é preço só por um segundo. O mercado reage, as vendas não acontecem, o empresário dá descontos. O que vale para a economia é o valor médio, aquele que mostrou-se capaz de ser absorvido."
Gesner é menos catastrófico do que o economista da FEA (Faculdade de Economia e Administração da USP) Joaquim Elói Cirne de Toledo. Para este, haveria inflação instantânea. "Você teria, teoricamente, a inflação do mês inteiro em um único momento". É que, diz, os empregadores só suportam pagar um salário de, digamos, 140, porque sabem, e os empregados também, que a inflação vai deprimir este valor e, no momento do pagamento, o salário vai valer só 100.
Gesner não descarta a possibilidade de a conversão incorporar ganhos de produtividade. "Precisa ser bem examinado. Mas, teoricamente, não há problema". Prado, do Dieese, acredita que será preciso romper o impasse da conversão, "porque não gostaria de ver este filme (o dos planos Cruzado, Bresser e Collor) se repetir". Ele acredita que seria um "bom início de conversa" incorporar a produtividade.
Bresser diz, porém, que o ganho que pode ser incorporado, no caso do mínimo, é o da economia como um todo, não o da indústria em particular. O ex-ministro diz que os preços terão que ser negociados entre compradores e vendedores. Mas acredita que, para alguns setores –citou os oligopolizados e o de medicamentos– "o governo deve orientar para que a conversão seja feita pela média".

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sobre URV na pág. 1-14

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