São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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A revisão

Como se o país não tivesse uma economia profunda e perversamente instável, uma máquina estatal obsoleta, sem viabilidade financeira, e um sistema político-partidário distorcido –enfim, como se não houvesse necessidade de uma urgente mudança estrutural no Brasil–, continuam a surgir no Congresso, com uma insistência exasperante, esforços para postergar ainda mais a revisão constitucional.
Aberta oficialmente em outubro passado, a reforma da Carta de 1988 vem-se arrastando desde então em meio a toda sorte de manobras de protelamento e mesmo tentativas de cancelamento. A mais recente delas propõe agora dividir a revisão em duas etapas, uma a ser realizada agora e outra apenas depois das eleições do final deste ano. Assim, tópicos relativos à ordem econômica (como a questão dos monopólios do Estado) começariam a ser apreciados só após o pleito, com o que os debates provavelmente invadiriam o longínquo ano de 1995 e só resultariam em mudanças efetivas ainda mais tarde.
É uma proposta que evidentemente vai contra os interesses e mesmo necessidades do país. Quanto mais tardam a ser combatidas as distorções estruturais, mais seus efeitos deletérios se acumulam, tornando mais difícil e custosa sua correção.
Não se trata aqui de ignorar as consideráveis complicações políticas envolvidas no processo revisional, que conta lamentavelmente com uma oposição nada desprezível e que seu uso como moeda de barganha na votação do plano econômico pelo próprio governo certamente não ajudou a causa da reforma. Nada disso modifica o fato de que alterar equívocos da Constituição prossegue sendo dever urgente e imediato do Congresso.
Diversas propostas já foram apresentadas pelo relator Nelson Jobim, muitas delas contendo avanços bastante positivos no campo das reformas políticas –como o fim do voto obrigatório, punições severas à infidelidade partidária, mandato presidencial de quatro anos com uma reeleição e o voto distrital misto. Não há nenhuma razão para que essas propostas não comecem a ser apreciadas já nesta semana e que o processo não se adiante sensivelmente já antes do Carnaval. Um país miserável como o Brasil, repleto de problemas de todos os tipos, não pode se dar ao luxo de desperdiçar tanto tempo para começar a se ajustar.

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