São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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O futebol precisa ser passado a limpo

TÊLE SANTANA

TELÊ SANTANA
Chegamos a mais um ano de Copa do Mundo. No Brasil vive-se mais intensamente este período do que em qualquer outro país. Já sentimos a emoção nas eliminatórias, quando tivemos dificuldades na classificação, mas felizmente mais uma vez conseguimos chegar. Para falar do nosso futebol, infelizmente temos de falar dos últimos e lamentáveis acontecimentos envolvendo árbitros e dirigentes de clubes e a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, jogando por terra tudo de bom que foi feito pelos profissionais dentro do campo.
Falar em armações num jogo, num campeonato, sempre ouvimos falar, mas não tão claramente como agora quiseram fazer, abordando a manipulação de resultados no Campeonato do Rio em reunião entre diretores do Departamento de Arbitros da Federação e mais de 70 árbitros. O que me entristece –sempre fui um defensor do futebol limpo e decidido dentro das quatro linhas– é que somente alguns corretos árbitros denunciaram esta trama vergonhosa que queriam implantar ou já teriam implantado num dos Estados mais importantes do nosso futebol.
Parabenizo o caráter e a coragem destes que partem em defesa da honra do esporte preferido do brasileiro. Não os deixemos sozinhos nessa missão difícil. Por certo, eles serão perseguidos pelos que se aproveitam do futebol para fazer o seu início de vida. Por certo, cabeças teriam de rolar, principalmente de alguns dirigentes, mas, se não ficarmos atentos e ao lado daqueles que se colocam entre os que ainda preferem ver o futebol decidido pela melhor equipe dentro do campo, estes é que serão afastados.
Em 90, quando fui dirigir o São Paulo, encontrei este clube na 2.ª divisão do Campeonato Paulista, e já dentro do Campeonato Brasileiro na 10.ª colocação. Numa reação de todos profissionais, chegamos à final contra o Corinthians. A Federação Paulista de Futebol tomou para si a incumbência da escalação dos árbitros para esta final. Infelizmente, foram colocados árbitros fracos, que aceitaram o jogo catimbado e violento para que o nosso adversário fosse beneficiado.
Desde essa época, venho falando e mostrando os erros nas arbitragens e, o que é mais importante, dizendo da má-intenção de alguns árbitros. Um deles, agora por reclamação do próprio Corinthians, time beneficiado na época, foi suspenso pela Federação Paulista.
Tenho combatido muitos dirigentes de federações e também da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) com a intenção de melhorar e moralizar o futebol. Acho, por exemplo, que o presidente de uma federação ou mesmo da CBF não pode fazer nada escondido. Se faz um contrato com a televisão (errado, quem devia fazer eram os clubes), tem que entregar uma cópia do contrato aos clubes e uma cópia à imprensa, para que todos tomem ciência do que está ocorrendo na entidade. Tem que dar aos clubes e também à imprensa um balanço mensal de tudo o que foi feito com o que arrecadou e gastou. Esta seria uma administração transparente, para que não acontecessem casos como o que envolveu o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e o jogador Alemão e agora o empresário Pelé. Confesso: fosse eu presidente de uma entidade, faria isto, já que não teria nada a esconder.
Imagine o torcedor sem conhecimento do que ocorre. As federações têm 5% de todos os jogos realizados no seu Estado. Por exemplo: se Mirassol e Fernandópolis jogarem lá no interior, 5% da renda é da Federação Paulista, sem nenhuma despesa, já que tudo é tirado do borderô do jogo (árbitros, bola, condução, bilhetes e bilheteiros, aluguel de estádio).
Além dessa receita, a CBF tem 10% e a federação de cada Estado tem 5% de cada atleta vendido para o exterior, com a desculpa de que isto dificultaria a saída de bons jogadores do país. Se assim fosse, deviam dar a mesma porcentagem quando se traz de volta um bom jogador brasileiro jogando fora do país, como foi o caso do São Paulo e Muller, Palmeiras e Antônio Carlos, Mazinho e Evair, Corinthians e Moacir.
O projeto Zico (muito modificado) nos traz esperança de melhora, mas se tivermos nos clubes presidentes fracos, que não enfrentem os presidentes de federações, da CBF e até da Fifa, teremos sempre o nosso futebol falido. Continuaremos a ver resultados manipulados, como já aconteceu e infelizmente com provas. Provas que acabarão sendo jogadas no lixo, possibilitando aos que nada fazem pelo futebol continuarem vivendo do esporte.
A verdade é que os dirigentes, como os políticos, têm medo que suas vidas sejam mostradas ao público, como se tudo tivesse sido conquistado ilegalmente. Há um ditado antigo e certo: "Quem não deve não teme". Se alguém um dia insinuar qualquer coisa de ilícito em relação a mim, estarei pronto a abrir minhas contas e tornarei público tudo o que ganhei no futebol sem nenhum receio.
Se desejamos passar a limpo o país, temos também de passar a limpo o futebol. Sei que vou ser perseguido pelos mais "desportistas", mas continuarei combatendo-os, ao lado de homens como os árbitros que denunciaram essas imoralidades no futebol carioca. O presidente da CBF colocou panos quentes e acabou com tudo, já pensando na próxima eleição para a presidência da entidade.
O que falta ao futebol brasileiro é a união dos grandes clubes, sem olhar os benefícios de cada um, mas do futebol brasileiro. Enquanto cada time só se preocupar com ele mesmo, não teremos um futebol forte, que mantenha aqui os grandes técnicos e jogadores. Também é preciso lembrar aos dirigentes de clubes que as federações e a CBF só existem porque existem os clubes, caso contrário elas não estariam aí e em situação bem melhor que os clubes.

TELÊ SANTANA, 62, é técnico bicampeão mundial de clubes pelo São Paulo Futebol Clube. Foi jogador do Fluminense e técnico da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1982 e 1986.

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