São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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A mudança da voz

SÉRGIO DÁVILA

–"Sobre Todas As Coisas" foi uma guinada, confirmada agora com "Valsa Brasileira". Por que a mudança?
–Fiquei 12 anos na Polygram e gravei lá dez discos. Então, comecei a sentir vontade de experimentar, mas não tinha apoio. Na época, as pessoas que estavam na presidência da gravadora não tinham a menor sensibilidade para isso. Tanto que hoje estão afastadas. Tive de sair para fazer estes dois trabalhos como eu queria, ambos com gravadoras pequenas.
–A crítica aprovou essa guinada, não? Não falaram mais que "a voz é boa, mas o repertório..."
–A crítica me ajudou muito na transformação. Chegou um ponto que fiquei tão irritada que falei "Porra! O que esses caras vêem em mim que eu mesma não vejo? Por que eles me acham tão legal, mas tão cafona?" Eu sei a resposta. É o arranjo. Se o arranjo for careta, toda música fica um horror.
–Você ganhou a crítica, ok. Mas o público não foi embora?
–Meu trabalho não é populista. Não está nas rádios que mais executam, nem no sistema, mas é popular.
–Em 1992, em sua temporada no Ballroom de Nova York, o jornal "The New York Times" e a revista "Newsweek" se derramaram em elogios, enquanto a revista "New Yorker" a chamou de mais uma "samba singer". Quem tinha razão?
–Esse negócio de "samba singer" eles têm com todos os brasileiros. A música daqui, para eles, é samba ou bossa nova.
–E o que você é, afinal?
–Sou coerente. Não posso negar o poder da indústria e do comércio. Tentamos nos moldar a regras que eles teoricamente ditariam. Mas eles não têm como ditar regras, só têm que industrializar e comercializar. Nossa inspiração é a matéria-prima deles, é o que justifica a sua existência.
–Madonna, quando no Brasil, adorou dois discos: "João", de João Gilberto, e "Valsa Brasileira". O que você acha dela?
–Bárbara! Se eu não fosse a Zizi, queria ser ela. (risos) Tenho o maior respeito, porque ela não tem talento, mas tem uma vocação fantástica. Acho genial ela ter ouvido meu disco, como acho genial que o Zé Mané das Couves ouça e goste.
–"No momento em que quase ninguém arrisca, Zizi veio com um trabalho original e inspirado, na contramão". Esta frase é da Marina, em artigo publicado na Folha. Você leu?
–Não, mas fico muito emocionada. Ser reconhecida por alguém da classe é raro. Nunca fomos unidos. É raro você ver um músico escrever para falar bem de outros músicos. –Como você se define sexualmente?
–Tenho um amigo que sempre me diz: "Se um dia eu escrevesse um livro sobre o meio musical, diria que conheço uma pessoa que não faz a menor questão de sexo. Você". (risos) É verdade. Depois que eu me separei do pai da minha filha, passei três anos de abstinência. E olha que eu não curto drogas, não bebo, nada. E fico legal! Sexo não começa nem termina na genitália. Não sou ávida por sexo.
–Quer dizer que você viveria sem?
–Lógico que sentiria falta. Mas não tenho frisson. A minha empregada dizia: "Dona Zizi, a senhora está sozinha, não tem nenhum namorado, não tem coisa nenhuma, ave maria, nossa senhora!". Ela ficava pirada. Tenho uma amiga que não transa há seis meses e está desesperada! Quando eu estava sozinha, sentia falta de ter uma relação, não de trepar por trepar. Se dava muita vontade, lia um livro, tocava uma música. Não tem sentido sexo sem uma relação. Eu já fiz muito isso na vida.

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