São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Eleição à brasileira

JANIO DE FREITAS

Daqui a 48 horas, ou a partir do dia seguinte à votação, os preços dos produtos de consumo constante voltam a subir. Quem o diz não é um dos economistas do PT, mas o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Levy Nogueira, e o vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados, Firmino Rodrigues Alves, com inesperável franqueza empresarial. Franqueza tão mais surpreendente quanto foge, apenas dois dias antes das eleições, à contenção – verbal e dos preços – combinada com a candidatura de Fernando Henrique Cardoso.
Tranquilizados pelas pesquisas eleitorais, os marcadores dos preços, na verdade, não esperaram passar o 3 de outubro. O que Nogueira e Alves disseram, a rigor, é que a partir da semana que vem, os preços vão se acelerar mais. Porque já na semana agora encerrada os preços dos produtos básicos subiram 4% em São Paulo. Nos cinco dias de segunda a sexta, subiram quase três vezes mais do que a inflação de um mês pelo último IPC-r, o índice criado para o real.
Por pequeno que seja, há um certo risco na ansiedade com que os donos dos preços retomam os seus hábitos. As pesquisas eleitorais prometem, mas não asseguram, a vitória do seu candidato no primeiro turno. Se, no entanto, isso não acontecer, a pressa dos preços, elevando-os antes de concluída a apuração, vai produzir seus efeitos no segundo turno contra o candidato do empresariado.
Mas nem tudo são precipitações negativas para Fernando Henrique. Na falta de Alexis Stepanenko e na ausência européia de Ciro Gomes, o próprio Itamar Franco entrou na campanha de última hora, fazendo saber aos eleitores que tem a oferecer-lhes, já 48 horas depois de votarem, a redução do preço da gasolina. Redução em formidáveis dez tostões, mas campanha é campanha. Como não seria justo que Itamar Franco mandasse Stepanenko demitir-se por causa do fernandismo explícito, e estivesse ele próprio agora a fazer o mesmo, para isso renunciou à dignidade da Presidência. Um virou ex-ministro` o outro, o ex-Itamar Franco.
E há também, como fato positivo para Fernando Henrique, a distribuição de incalculáveis milhões de cédulas, como modelo orientador para os eleitores, em que o nome de Lula foi deslocado para lugar errado. O eleitor de Lula que seguir o modelo, como provavelmente fará uma infinidade deles, não estará votando em Lula. Isto foi considerado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Sepúlveda Pertence, "jogo baixo" dos fernandistas. A qualificação é duvidosa.
"Baixo" em relação a quê? Se comparado com o calendário do plano real e da inflação, muito bem adaptado à eleição` ou ao desempenho eleitoral dos meios de comunicação` ou à orientação da campanha por assessores da presidência dos Estados Unidos – para ficarmos só em mínimas referências – o "jogo" das cédulas desorientadoras nada tem de "baixo". É igual ao resto, está no mesmo nível de ética, de compostura e de honestidade.
O procurador-geral Aristides Junqueira chega a aventar a possibilidade de perda do mandato de Fernando Henrique, se eleito, por causa desse último "jogo baixo". Qual nada: estamos no Brasil, numa eleição à brasileira.

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