São Paulo, terça-feira, 4 de outubro de 1994
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'Sem-água' devem eleger Inocêncio em PE

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A SERRA TALHADA

Os ``sem-água", como podem ser chamados os sertanejos de Pernambuco, devem consagrar nas urnas o homem dos poços do Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra a Seca), o deputado federal Inocêncio de Oliveira (PFL-PE).
Atual presidente da Câmara, ele tenta o seu quinto mandato consecutivo. Ele prevê uma votação de pelo menos 85 mil votos –boa parte deles conquistada entre os 43 mil eleitores de Serra Talhada.
A maioria dos seus eleitores não têm acesso a nenhum dos poços construídos nas suas seis fazendas e numa revendedora de carros em Serra Talhada. Os poços de Inocêncio foram construídos com a ajuda do dinheiro do Dnocs.
``Água aqui só quando chove", diz Maria José da Silva, 25, eleitora de Inocêncio desde a eleição passada. Mesmo assim, os ``sem-água" idolatram Inocêncio, que conseguiu manter-se deputado federal nos últimos 20 anos graças a um ``fisiologismo" que inclui, segundo os seus adversários, a distribuição de dinheiro na semanas que antecedem as eleições.
``Os cabos eleitorais dele distribuem esmolas em dinheiro na calada da noite", acusa Marcos César Carvalho, vereador em Serra Talhada que concorre também a um mandato para a Câmara.
Inocêncio nega a prática fisiológica. ``Me elejo graças ao meu trabalho pelo povo, trazendo obras e benefícios para a região", diz.
Não são poucos o que admiram Inocêncio e gostam de ter um filho da terra com projeção.
``É um homem bom, é da nossa terra e tem muito poder lá para os lados de Brasília", elogia o agricultor Miguel Lima, 77: ``Quando o presidente viaja é `seu' Inocêncio que toma conta do Brasil."
Apoiado nesse prestígio, Inocêncio acordou cedo ontem para colocar na rua uma frota de pelo menos 20 caminhões para conduzir os eleitores aos locais de votação.
Em cada caminhão, um ou dois cabos eleitorais para ensinar como ``fazer a coisa certa", ou seja, marcar o número 2525 na cédula.
Os caminhões vão apanhando as pessoas nas suas casas como quem transporta gado. ``Ele (Inocêncio) tem mais cuidado com os dois mil bois dele do que com esse povo", ataca Marcos César Carvalho.
O agricultor Antonio José Pereira, que mora na zona rural de Serra Talhada, a 30 km do centro, é um desses eleitores que são lembrados no dia da eleição pela buzina dum caminhão que o chama às urnas.
``Passo o tempo todo aqui e ninguém me leva pra lugar nenhum, mas no dia de votar nunca esqueceram de mim", diz Pereira.

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