São Paulo, terça-feira, 4 de outubro de 1994
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O medo do chofer de táxi

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Um vento intermitente varre a mormacenta e seca São Paulo do dia da eleição, levantando o tapete de panfletos estendido pela cidade. Bandeiras em automóveis e nas mãos de crianças, gente andando pelas ruas, o clima de suspensão e certa irrealidade que envolve a todos nesses dias nacionais.
O motorista do táxi, um mulato redondo, aproveita-se da companhia de um jornalista e põe-se a fazer perguntas, puxando conversa. ``Só vejo bandeiras do Lula, será que essas pesquisas são encomendadas?" Ou: ``Será que o Quércia caiu muito ou foi o Enéas que cresceu?" Respostas lacônicas. Finalmente, a opinião: ``Vou dizer uma coisa para o senhor. Votei no Fernando, mas tenho medo de que depois venha uma surpresa. Se a acontecer outra decepção nesse país, não sei o que vai ser".
A surpresa e a decepção referem-se, evidentemente, aos destinos do real. E preocupam não apenas o falante chofer. Poucos que votaram em Fernando Henrique deixaram de pensar: ``E se esse troço degringolar? E se a farra da especulação voltar?" Era este o medo que o vento soprava ontem pelas ruas.
O Brasil não suportaria um novo baque –ao menos um das dimensões do pós-Cruzado ou do pós-Collor. Eis o dilema de FHC e do país: não há, não pode haver, caminho de volta.
Dizem os que dizem entender das feitiçarias econômicas que as condições gerais não poderiam ser mais favoráveis à estabilização. Que as reservas abarrotam as burras do Tesouro, que o capital internacional volta a se seduzir pelos trópicos, que o ajuste do setor privado renova as possibilidades competitivas.
É possível. Resta saber até que ponto Fernando Henrique e sua coligação –caso se confirmem vitoriosos– terão condições de impor racionalidade ao sistema político-econômico, articulando reformas, corrigindo desequilíbrios e evitando que, mais uma vez, o bonde destrambelhe.
Se conseguirem, é provável que, mesmo com oscilações e sustos, o real venha a se consolidar como mediação para uma estabilidade mais duradoura.
Estaríamos, nesta hipótese, no limiar de um novo patamar de discussão. Passaríamos do drama da instabilidade para o drama da estabilidade, ou seja, dos problemas de uma conjuntura para os de outra –fenômeno cuja prenunciação não foi captada pelas parabólicas do PT, que se comportou ao longo da campanha como o mesmo partido forjado pelo combate à ditadura e por visões socialistas messiânicas de anos atrás. Passará, de qualquer forma, por mudanças, não há dúvida.
É melhor que passe logo e prepare-se para o exercício da oposição num quadro em que o mero discurso generalizante sobre a desigualdade social e as ``maracutaias das elites" não será mais suficiente. Será a estabilização o grande tema –seus perversos efeitos colaterais, no caso de que venha ser obtida, ou as correções de rumos necessárias para obtê-la, no caso de descarrilhamentos. E para isso um PT renovado será, certamente, fundamental.

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