São Paulo, quinta-feira, 6 de outubro de 1994
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Gringolândia oferece feijoada de notícias

DAVID DREW ZINGG
EM MIAMI

A imprensa da Gringolândia é um grande cozidão. Melhor dizendo, a imprensa da Gringolândia é como um monte de diferentes feijoadas.
Primeiro, vem a imprensa ``costeleta de porco" –os grandes jornais, como o ``The New York Times", o ``The Washington Post" e o ``The Miami Herald". Esses são jornais inteligentes, reflexivos e, de um modo geral, conservadores. Eles pegam uma história séria do noticiário e a tornam ainda mais séria. Sabe como é, Joãozinho –quando você vê aquela travessa cheia de costeletas de porco ao lado do feijão, percebe que está frente a frente com uma feijoada séria.
Os leitores dos jornais ``costeleta de porco" são homens de negócios que nos vendem coisas aos milhões e, ao fazê-lo, recolhem cédulas de dólar –também aos milhões. Esses leitores são o tipo de homens de política que enviam milhares de soldados para tomarem conta de uma minúscula ilha tropical porque acreditam que ``é bom para a democracia".
Existe aqui na Gringolândia outro tipo de jornal que, se fosse parte da feijoada, seria o feijão.
Os ``jornais-feijão" são a imprensa local. Eles podem ser grandes e fortes ou pequenos e fracotes. Existem as exceções corajosas, é claro, mas a maioria desses jornais se restringe às questões locais de primeira importância, tipo ``quando a tubulação dos esgotos vai chegar a meu bairro?".
Eu disse que existem exceções, mas o fato é que 95% dos ``jornais-feijão" não querem problemas com as autoridades locais. Eles chegam a fazer pequenos ataques ousados ao chefe de polícia local porque ele se recusa a declarar um toque de recolher para os skatistas barulhentos depois das 22h, mas sua ousadia investigativa política pára por aí.
Com isso, o Velho Cozinheiro de Feijoadas Dave chega à parte principal de nosso menu da mídia gringolandesa: a imprensa ``orelha de porco".
A orelha do porco, o rabo do porco ou aquelas outras pequenas partes privadas do porco que aparecem, de repente, escondidas no fundo da gloriosa gororoba de nossa feijoada equivalem a um segmento da pirâmide da mídia americana que vive um rápido processo de crescimento.
É a imprensa sensacionalista, multicolorida, repleta de mentiras e vendida em supermercados, a principal fonte de emoções novas e desinformação para a grande parcela mal lavada da sociedade norte-americana.
Enquanto o magnata de Washington lê seu ``Wall Street Journal", os quase-totalmente-carentes-de-dinheiro procuram desesperadamente esquecer seus problemas lendo ``The National Enquirer", ``The Globe", ``The Star" ou ``The National Examiner" ou até mesmo o ``Weekly World News".
Para vocês sentirem um gostinho do que são os níveis inferiores da ``feijoada da mídia" da Gringolândia, vamos olhar o que estão vendendo em suas espalhafatosas primeiras páginas:
O ``National Enquirer" berra: ``Novas pistas cruciais podem acabar com julgamento de O.J.. Diários secretos de Nicole Simpson. Ela usava homens como brinquedos e cheirava pó".
A capa do ``Star" oferece iscas do mesmo calibre. Ela grita: ``Amante de O.J. passou noite do assassinato com o ator Michael Bolton. Três dias regados a sexo e champanhe enquanto O.J., sob interrogatório policial, tentava desesperadamente falar com Paula".
O ``Globe" tampouco consegue fugir do buraco negro O.J. e alardeia: ``O.J. endoidece na cadeia com outra notícia chocante de Nicole. Ele fica sabendo por amigo que ela tinha amante lésbica secreta e fazia orgias com garotões".
A capa do ``Weekly World News" é preta-e-branca, e seu preço é o menor entre os cinco tablóides sensacionalistas. Esta semana ele volta corajosamente ao tema Simpson e parte pra cima da gangue de Washington: ``Grande revelação de fontes da Casa Branca: Hillary Clinton está grávida! Pacotinho de alegria vai chegar em abril". Sua segunda manchete de capa nos atinge de perto: ``Frota de Ovnis assusta cidade –durante 20 dias".
A história dos Ovnis nos atinge de perto porque teria sido enviada de ``Sao Paulo, Brazil"!
Caso você tenha perdido este grande furo científico na primeira página dos jornais locais, o Velho Desbravador Espacial Dave vai te repassar os pontos principais.
Parece que a terrível e assustadora invasão dos hominhos de cabeça de ovo aconteceu na cidade paulista de Três Coroas.
O corajoso e audaz correspondente do ``Weekly World News", um certo Kevin Creed, viajou destemidamente até o local em que se deu o molestamento vindo do espaço sideral e nos oferece os resultados de seu grande golpe de reportagem investigativa.
Ele inicia a matéria em tom agourento. Vou citar alguns pontos de seu lide:
``SP, Brasil. No dia 12 de agosto um enxame de Ovnis invadiu uma cidade e aterrorizou seus 30 mil habitantes durante inacreditáveis 20 dias!"
``Pessoas foram perseguidas por bolas de luz."
``Um homem observou, horrorizado, uma criatura medonha se aproximar com os braços estendidos, ganindo como um cão."
O repórter Creed foi direto à fonte principal de informações sobre as atividades incomuns ocorridas em Três Coroas: o comandante da PM da cidade. O cavalheiro em questão, cujo nome seria Antonio das Gaças (sic) Santos, tem uma história pavorosa a contar:
Ele viu o quintal de seu vizinho iluminado por uma luz estranha e correu para lá. ``Vi uma criatura mais ou menos da altura de um ser humano, com os braços estendidos", disse Santos.
``Era de noite, por isso não pude enxergar os detalhes. A criatura emitiu um som de gemido ou ganido, como um cachorrinho –e aí sumiu."
A história contada pelo PM Santos tem algo de bastante apropriado.
Toda vez que o tio Dave entra num supermercado da Gringolândia e vê os consumidores-eleitores-pais americanos comprando os tablóides escandalosos de grande circulação que constituem suas fontes básicas de informação, tenho uma reação estranha.
Eu emito um som de gemido ou ganido, como um cachorrinho.
Tradução de Clara Allain

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