São Paulo, quinta-feira, 6 de outubro de 1994
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Chico quer ser um sambista que escreve

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

Chico Buarque, o astro principal do Brasil na 46.ª Feira do Livro de Frankfurt, sente-se ``um peixe fora d'àgua" entre os escritores. Ele está na Alemanha para divulgar o lançamento do seu romance ``Estorvo" pela editora Hanser.
Em seu hotel em Frankfurt, ele falou à Folha sobre sua divisão interna entre compositor e romancista e comentou as eleições brasileiras. Só evitou falar do romance que está escrevendo: ``Ainda sei muito pouco sobre ele."

Folha - Incomoda a você ser visto como um compositor popular que eventualmente escreve, e não como um escritor?
Chico Buarque - Não me incomoda nada. Outro dia, num jornal, um sujeito para falar mal de mim me chamou de sambista, como se fosse um insulto. E eu sou um sambista. Quando eu morrer, quero que digam: ``morreu um sambista que escrevia livros". Não estabeleço nenhuma hierarquia.
Folha - Como é que o compositor Chico Buarque vê o escritor Chico Buarque?
Chico - Um não se dá com o outro. Voltar a fazer música depois do livro foi muito difícil. Era como se fosse um ofício que eu não conhecesse mais. E agora para voltar a escrever, também. Fiquei meses tentando escrever e não saía nada.
Folha - Você escreveu livros antes, mas é com ``Estorvo" que começou essa sua divisão?
Chico - Eu acho que sim. As peças de teatro eu considero uma extensão do meu trabalho musical. ``Estorvo" e esse livro de agora correspondem a uma necessidade íntima. Não há nenhuma pressão externa para que eu escreva. Meus amigos músicos vivem me dizendo: ``não escreve não". E o público também. Acho que a única pessoa que quer que eu escreva é meu editor (risos).
Folha - ``Estorvo" foi lido como um testemunho do Brasil de hoje, com seu caos social e sua falta de perspectivas. É assim que você vê o país?
Chico - Quando escrevi ``Estorvo", sim, sem dúvida. Mas em nenhum momento tive a intenção de simbolizar o que quer que fosse. Não me incomoda que haja essa leitura, mas se eu tivesse pensado nisso, eu não conseguiria escrever.
Folha - Você acha que o fato de o Brasil ser tema da Feira de Frankfurt vai contribuir para mudar a situação da literatura brasileira no exterior?
Chico - Espero que sim, porque é muito mais difícil ser escritor brasileiro aqui fora do que músico. A gente encontra livros brasileiros nas estantes de espanhóis ou hispano-americanos nas livrarias. É difícil mostrar que não temos nada a ver com essa coisa do realismo mágico. Tem uma passagem interessante do livro ``Visão do Paraíso", do meu pai (Sérgio Buarque de Holanda), em que ele compara os relatos dos exploradores portugueses e os dos espanhóis na América. Enquanto os espanhóis faziam relatos exuberantes, os portugueses atenuavam as coisas para torná-las verossímeis. Acho que essa diferença se reflete ainda hoje na literatura da América Latina.
Folha - Você apoiou Lula. Como vê a perspectiva de um governo Fernando Henrique?
Chico - Acho que, dos presidentes da história do Brasil, ele é o que tem a melhor biografia. Espero que ele respeite o seu passado, embora eu tenha minhas dúvidas. Não quero, sinceramente, dizer depois: ``Está vendo, eu não disse?" Mas não quero também que façam como depois do Collor, que diziam: ``Com o Lula seria pior". Como sabem, se ele não tem uma chance? Admiro muito o Lula, considero-o muito preparado, mas parece que está proibido que ele governe o país. É uma pena.

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