São Paulo, sexta-feira, 7 de outubro de 1994
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O número que importa

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Em sua primeira entrevista coletiva depois de eleito, Fernando Henrique Cardoso enfatizou que vai priorizar educação e saúde. Chegou a colocar esses dois setores acima do Ministério da Fazenda, num discurso saudavelmente original. Existe, porém, uma grossa contradição, perceptível num número obtido ontem pela Folha.
Um novo relatório da Pastoral da Criança, da Igreja Católica, sobre o segundo trimestre do ano informa: permanece a tendência de alta da mortalidade infantil. Não existe melhor radar: eles atuam em 2.076 municípios nos 27 Estados, acompanhando 1,4 milhão de famílias.
Note-se que as famílias atendidas são privilegiadas: as mães recebem educação sobre saúde. No Nordeste, a taxa de mortalidade subiu cerca de 25%, comparando-se com o ano anterior. Imagine-se, então, o que acontece com aquelas que vivem na total ignorância.
O gráfico mostra que ocorreu até mesmo ligeira elevação no segundo trimestre, comparado com o anterior. Um dos motivos é o próprio governo, de onde saiu Fernando Henrique Cardoso: faltam remédios em postos de saúde, por exemplo. Cortaram-se verbas para setores vitais.
Há informações de que as verbas de emergência, alardeadas pelo governo depois da revelação do aumento da mortalidade, não estão chegando. É incompetência ou descaso.
Como a lógica do Brasil é a lógica do apartheid social, a revelação não escandaliza –afinal, quem está morrendo é gente que vive e morre em silêncio. O tema nem chegou a incomodar o candidato Fernando Henrique, tamanho o poder anestésico do real.
Se ele estiver sendo sincero, as curvas de mortalidade infantil deverão ter tanta atenção como as curvas de inflação e desemprego –a primeira é o termômetro da crise econômica; a segunda, da crise. E aí se mede até onde vai a prioridade social aos excluídos.
Se, ao final de seu mandato, a curva da mortalidade não tiver sofrido expressiva redução, de nada adiantará todo o esforço de Fernando Henrique em perseguir a imagem de estadista.
Resumindo: vai ter que frequentar lugares menos amenos do que propriedades do baronato, onde se refugiou depois da eleição.

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