São Paulo, sábado, 8 de outubro de 1994
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FHC-JK ou FHC-JQ?

LUIZ PINGUELLI ROSA

O Brasil é neste momento um teatro de operações de uma guerra ideológica
A redução dos preços dos combustíveis repetiu em parte a fórmula de o setor público segurar a inflação originada no setor privado. O índice de setembro é maior do que foi alardeado e há inflação de preços internos em dólar.
É normal rever, em função do preço do petróleo importado e do custo do nacional, a remuneração adequada dos derivados produzidos pela Petrobrás, que é uma empresa pública e deve seguir uma política de interesse público.
A fração dos preços dos combustíveis que vai para a Petrobrás é muito menor do que na maioria dos países. Por isso é correto reduzir a fração das distribuidoras. Os preços devem viabilizar investimentos previstos para expandir as reservas e a produção de petróleo e gás natural.
Os combustíveis no Brasil não são caros, se comparados a muitos países. Em agosto, o litro de gasolina custava mais de um dólar na Itália e no Japão, pouco menos na França, Alemanha e Espanha.
No Brasil, custa US$ 0,60, pouco mais do que os US$ 0,57 da Argentina devido à mudança de câmbio aqui.
O GLP tem um papel social, mas o governo já criara um vale para consumidores de baixa renda. Abaixar o preço da gasolina não é bom para a conservação da energia nem para o controle da poluição atmosférica.
Reune-se em Fortaleza neste mês o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU, para discutir a intensificação do efeito estufa, de aquecimento da Terra por gases como o CO2 emitido na queima de combustíveis fósseis. Uma medida proposta por países da Comunidade Européia foi taxar os combustíveis para controlar suas emissões. Estas também afetam o ar das grandes cidades, causando doenças.
Nos EUA, há poucas semanas, foi sancionada uma lei para o uso de álcool misturado à gasolina. Enquanto isso, no Brasil, o Banco Mundial recomenda o abandono do uso do álcool em automóveis e trocar a hidreletricidade pela termeletricidade a combustíveis fósseis.
A redução de preços dos combustíveis foi anunciada extraoficialmente às vésperas da votação e explorada pela mídia como boca de urna eletrônica para o candidato FHC enquanto a de rua era proibida. Na famosa confissão involuntária, o ministro Ricupero referiu-se a isso como meio de ``ferrar" a Petrobrás.
Prepara-se na área de energia a ofensiva do esquema liberal que apoiou FHC. Mas é preciso guardar alguma autonomia para a política energética do Brasil. Espero que as pessoas conscientes disto no PSDB não se omitam.
O presidente Itamar se opôs às práticas condenáveis de uso privado do Estado por Collor. Entretanto a equipe econômica desenvolveu o Plano Real cronometrado para dar efeito na eleição. O problema é se o plano falhar após seu efeito eleitoral.
O presidente desfruta de popularidade. A imprensa antes o atacou o tempo todo. O presidente resistiu aos neoliberais na revisão da Constituição, na venda irregular de empresas elétricas, no reajuste de salário do funcionalismo e do salário mínimo.
Contraditoriamente, FHC juntou-se aos que querem vender a preços de banana as empresas de energia, comprimir salários dos trabalhadores, cortar verbas para saúde, educação, ciência e tecnologia, como fizeram ao deixar o país sem orçamento este ano.
Agora combatem qualquer aumento de salário que os sindicatos tentem conseguir e já falam de amputar pedaços da Constituição pressionando o Congresso.
O Brasil é neste momento um teatro de operações de uma guerra ideológica de dimensão mundial, contra qualquer forma de ordenação da sociedade que coloque a solidariedade humana com os mais pobres acima da competição e do mercado.
Fernando Henrique, com um passado social-democrata, aceitou um pacto liberal e ganhou o codinome FHC. Talvez a autosuficiência intelectual tenha-se extrapolado para o campo político e pense negar aos seus aliados o que esperam. Tomara! Mas a política não é como a academia. Não é fácil esquecer tudo que se escreveu nos pactos com raposas.
A questão é: FHC-JQ ou FHC-JK, como ele quer parecer? Jânio Quadros não conseguiu governar com a aliança tipo saco de gatos que o elegeu presidente. Jucelino governou compondo-se com a esquerda, inclusive para resistir a tentativas de golpe da direita. O marechal Lott garantiu sua posse.
As classes empresariais brasileiras, chamadas de bandidos por Ricupero, podem ter cometido um equívoco nesta eleição, ao usarem seu poder econômico contra o acesso de uma esquerda democrática ao governo federal.
A tradição hegemônica nesta nova esquerda, que não tem a autosuficiência stalinista, é a negociação, indispensável para equacionar a dívida social explosiva como mostra a violência urbana. O projeto globalizante exclui dezenas de milhões de brasileiros sem acesso a bens sofisticados importados. Fernando Henrique sabe bem disso.
Antes mesmo de apurados os votos, a mídia, como quarto poder da República, proclamou a vitória de FHC. Apesar disso Lula ganhou pelos votos uma inequívoca liderança democrática para resistir e fazer FHC lembrar de Fernando Henrique.

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