São Paulo, sábado, 8 de outubro de 1994
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Excelente idéia, mas não para já

N ÃO

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Mesmo que se desejasse retirar de imediato o Estado das relações do trabalho, seria impossível
Há anos ouço vigorosa defesa da implantação imediata do contrato coletivo. Seria ele a solução ideal e definitiva para os graves problemas que tumultuam as relações de trabalho, como sustentam seus propagandistas, ou apenas mais uma sugestão engenhosa, incapaz, porém, de suportar melhor análise?
Para se aquilatar a adaptabilidade repentina desse instituto –sabidamente utilizado em países desenvolvidos– ao nosso meioambiente, faz-se mister conhecer exatamente do que estamos falando, e compreender melhor nossa complexa e múltipla realidade.
A velha CLT, a partir de profundas modificações que lhe foram introduzidas em 1967, passou a prever duas modalidades de ajustes coletivos: o acordo sindicato-empresa e a convenção intersindical.
Na prática, todavia, poucas diferenças entre ambas existem, pois são elas instrumentos resultantes de negociações diretas que visam a estabelecer cláusulas e condições, de natureza salarial ou não, incidentes sobre os contratos individuais de trabalho.
Advirto, porém, que, exceto limitadíssimas hipóteses permitidas pela Constituição Federal, trabalhadores e patrões estão autorizados a negociar somente além das garantias legais mínimas, não dispondo de liberdade para reduzir vantagens ou flexionar direitos previstos pela nossa vasta e pormenorizada legislação.
Registro, ainda, que no regime jurídico-trabalhista nacional, unicamente as organizações sindicais integrantes do denominado ``sistema confederativo", isto é, sindicatos, federações e confederações, estão habilitados a desenvolver negociações e a ajuizar dissídios coletivos, excluindo-se, consequentemente, desse restrito círculo, as poderosas centrais sindicais.
Finalmente, não façamos por ignorar a Justiça do Trabalho. Investida de competência constitucional para conciliar e julgar dissídios individuais, e de poder normativo para arbitrar conflitos coletivos, é acionada incessantemente pelos trabalhadores e seus sindicatos, na maioria das vezes, incapazes de atraírem para negociações os empresários do setor, superando pelo diálogo suas constantes divergências.
Se o desejo de implantar o contrato coletivo contém embutido projeto de afastamento irrestrito do Estado das relações de trabalho, não há como implementá-lo de pronto.
Essa providência, sem dúvida inovadora, implica a ruptura com modelo aperfeiçoado e assimilado há mais de meio século, exigindo a supressão de dispositivos constitucionais, revisão do papel atribuído à Justiça do Trabalho, reformulação do sistema legislativo-trabalhista e mudança de comportamento por parte de dirigentes sindicais, empresários e integrantes das camadas dirigentes.
Plagiando o virtual presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, direi que retirar o Estado das relações de trabalho é uma excelente idéia. Mas, mesmo que se desejasse fazê-lo de imediato, ninguém o conseguiria.

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