São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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CAIO TÚLIO COSTA

Tenho uma idéia para dar, agora que muitos políticos já estão eleitos no primeiro turno. Serve a quem estiver interessado na renovação, de verdade, da política brasileira. Coisa simples que, se levada a sério e abraçada por muita gente, pode botar políticos e burocratas governamentais para trabalhar com seriedade e honestidade. Afinal, fazer político brasileiro trabalhar –fora as exceções que confirmam a regra– é tarefa que nem doze Hércules dão conta.
Não me conformo, por exemplo, com o conceito, disseminado, de que o brasileiro seja um povo suave. Daí a vontade de ajudar na transformação desse comodismo que marca naturalmente quem nasce por aqui. Essa lengalenga vem desde a colônia. Passa pelo Império, pela Proclamação da República (quando ``o povo assistiu bestificado" ao gesto libertador do marechal Deodoro da Fonseca), permanece com os primeiros governos militares, engole Getúlio Vargas e se retesa com o movimento militar de 64, até despontar em suspiro de civismo e promessa de mudança quando se apeia Collor.
Minha idéia nem é inédita. Brasileiros ricos, por exemplo, já a executam de forma subversiva e sem punição. Eu a aprimorei dando-lhe substância legal, garantindo sua aplicação sem qualquer constrangimento. Melhor: com a ajuda do Poder Judiciário.
É dever do Estado devolver, em benefícios, tudo o que se paga de imposto. A proposta nasce daí. Como os cidadãos sustentam os governos para que os seus ocupantes trabalhem em prol da cidadania, do desenvolvimento das comunidades etc., então os que pagam impostos têm o direito de saber quais benefícios são dados em troca do montante pago.
Assim, pode-se começar pelos impostos municipais, passar pelos estaduais e chegar ao Imposto de Renda e todos os impostos federais.
Cada cidadão vai precisar, primeiro, de um bom advogado, corajoso, capaz de peitar os poderes. Depois é partir para a luta junto ao Judiciário, mesmo que ela dure anos.
A partir do princípio indiscutível de que cada imposto pago deve ter sua utilização transparente, o cidadão vai querer ver o benefício real que seu imposto provoca. E a ação nem precisa ter efeito retroativo, para evitar que os atuais políticos se eximam da responsabilidade dos erros de seus antecessores.
Então, daqui para a frente, depositam-se todos os impostos em juízo até que o Estado mostre, argumente, prove como vai usar aquele dinheiro. A prefeitura precisa apontar onde vai alocar os impostos municipais, como o IPTU –pode ser tanto o seu bairro quanto uma área da periferia. O governo do Estado tem de provar o quanto o ICMS ajudou a comunidade. O governo federal, quanto do Imposto de Renda reverteu em benefícios, quanto do recolhido foi destinado a pagar salários em qualquer um dos poderes da República.
Cada brasileiro terá de se convencer, por exemplo, que o funcionário X ou o deputado Y trabalharam o suficiente para merecer o salário, que o dinheiro foi bem empregado numa ponte ou num hospital.
Deposita-se o imposto em juízo (até mesmo os descontados diretamente na fonte, caso dos assalariados) e o governo pode ficar tranquilo porque, se provar que tudo aquilo será utilizado corretamente, tudo bem, terá todos os impostos em caixa. É um pouco como usar o Código do Consumidor para ajudar o governante a fazer um balanço e a se preocupar um pouco mais com os cidadãos e menos com seu umbigo.
Simples, não?

Ilustração: Pastel de Joan Mitchell, 1991

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