São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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Coletânea reúne artigos do `The Nation'

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Daqui a nove meses o semanário americano ``The Nation" completará 130 anos de inestimáveis serviços ao jornalismo alternativo. Caso raríssimo de longevidade e um milagre de sobrevivência, ``The Nation" já foi encarte do ``New York Evening Post" para evitar o pior (entre 1881 e 1918), ameaçou fechar suas portas diversas outras vezes e, por pouco, na década passada, não se fundiu com seu concorrente liberal ``The New Republic". Até agora, porém, conseguiu superar todos os apertos financeiros sem abrir mão dos seus princípios básicos. ``The Nation" também é um caso raríssimo de inabalável integridade.
Graficamente é outro fenômeno: uma obra-prima de elegância e simplicidade, com a grife de Milton Glaser. Não usa fotos, apenas ilustrações –de mestres como David Levine, Edward Sorel e Robert Grossman. Pena que, por razões de economia, elas tenham sido cortadas de ``O Perigo da Hora (O Século 20 nas Páginas de `The Nation')". Da edição original, lançada há quatro anos nos EUA, a editora Scritta também deixou de aproveitar as poesias que D.H. Lawrence, Robert Frost, Garcia Lorca, Sylvia Plath, Octavio Paz e Pablo Neruda e outros publicaram naquele baluarte do jornalismo discordante.
Atração retardatária da última Bienal do Livro, ``O Perigo da Hora" é uma seleta da robusta antologia organizada por Katrina Vanden Heuvel para a Thunder's Mouth Press. Hamilton dos Santos, o selecionador brasileiro, fez as escolhas certas. Não havia muito sentido em traduzir as impressões de Sinclair Lewis sobre Minnesota e as de Willa Cather sobre Nebraska, para citar dois escribas ilustres desprezados pela Scritta. Ausências sentidas, a rigor, só duas: Herbert J. Seligman e Carleton Beals.
Em 1920 Seligman publicou uma análise sobre as atrocidades cometidas pelos americanos no Haiti (ocupado pelos EUA de 1915 a 1920) que propiciou uma investigação do Congresso e, de certo modo, abriu caminho para a independência da ilha em 1934. Beals passou dois meses com o líder revolucionário nicaraguense Augusto Cesar Sandino e contou tudo nas páginas de ``The Nation", em 1928. São duas valiosas performances do jornalismo político, sendo que a primeira ganhou nos últimos meses uma inesperada atualidade.
Alguns resenhistas americanos criticaram Vanden Heuvel por ter dado excessivo destaque a nomes famosos (Henry James, Bertrand Russell, H.L. Mencken, Adolf Hitler, Ezra Pound, Albert Einstein, Thomas Mann, Jean-Paul Sartre, Mary McCarthy, Hannah Arendt, Gore Vidal, Arthur Miller), omitindo ou relegando a segundo plano os acadêmicos, ativistas e esquerdistas revelados pelo semanário.
Acontece que celebridades ajudam na venda, e o livro, com 534 páginas na edição original, carecia de um bom empurrão. Até porque não era uma antologia da ``Vanity Fair", mas de uma publicação de reduzido ``appeal" popular, notória por sua luta implacável contra o militarismo, o imperialismo, a corrupção, o abuso de poder e todas as formas de agressão aos direitos humanos e às liberdades civis.
O problema é que nem todos os bambas se deram bem. O texto de Kurt Vonnegut Jr. sobre a vocação belicista dos americanos não tem a menor graça, o de James Thurber, a respeito de uma hipotética versão da ``Odisséia" de Homero por Walt Disney, está longe das melhores reinações do humorista. Não bastasse, colaboradores atuais como Alexander Cockburn e Daniel Singer ficaram mal representados na coletânea.
Fundado em 1865 por um jornalista anglo-irlandês, E.L. Godkin, que, paradoxalmente, defendia o enforcamento de anarquistas radicais, ``The Nation" recebeu a maior cota de seu financiamento inicial (US$ 100 mil) de um abolicionista de Boston e desde o primeiro número esmerou-se em provar que o idealismo não é irrelevante. Menos ideológico do que jornalisticamente íntegro, firmou-se ao longo do tempo como uma espécie de órgão oficioso da minoria permanente.
Foi nas páginas de ``The Nation" que James Baldwin, por exemplo, estreou na imprensa. Historiadores revisionistas como Gabriel Kolko, Walter La Feber e Howard Zinn também se revelaram no semanário atualmente editado por Victor Navasky, sucessor do lendário Carey McWilliams (1955-1975). Nenhum dos três foi antologizado, mas outras revelações históricas, como Ralph Nader (ombudsman da grande indústria americana) e Fred Cook (experto nos podres do FBI e da CIA), felizmente não ficaram de fora.
Hitler? Colaborou com uma carta à redação. Em 1925. Reclamou que ``The Nation" interpretara equivocadamente os termos do seu encarceramento. Foi esta a única vez em que o futuro ``fuehrer" esteve certo, e o jornal, então editado por Oswald Garrison Villard, errado.

Livro: O Perigo da Hora (O Século 20 nas Páginas de The Nation)

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