São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994 |
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Comércio de ossos de tigre estimula a caça Carcaça é ingrediente da medicina tradicional chinesa JAVIER PÉREZ DE ALBÉÑIZ
Mas seus números oscilam constantemente. O comércio de ossos desses animais, aos quais a medicina tradicional chinesa atribui falsos poderes curativos –contra úlceras, malária, febre tifóide e outras doenças–, leva à proliferação dos caçadores ilegais no país. ``Alguns desses caçadores são capazes de matar um tigre por US$ 50, quantia ridícula frente ao que se paga no mercado asiático", diz um guarda da reserva de Kanha, situada próximo à cidade de Jabalpur. ``Alguns deles usam fuzis velhos. Outros são capazes de rechear uma vaca morta com bananas de dinamite e preparar um mecanismo perigoso –uma espécie de armadilha-bomba– que a faz explodir enquanto o tigre a está comendo". Contam que em 1907 um único caçador matou 300 tigres na região desse parque. No dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, Rudyard Kipling recebia o Prêmio Nobel de Literatura. Poucas semanas antes, um estranho homenzinho indiano repudiava a lei asiática, renunciava à sua profissão e organizava a resistência passiva de todo um povo. Seu nome era Mohandas Karamchand Gandhi e todos os seus pertences cabiam dentro de um lenço. ``Não tenho nada contra os ingleses", disse Gandhi, ``e sim contra sua civilização". Ram, um dos guias da reserva de Kanha, se emociona apenas em falar o nome de Gandhi. ``Ele foi a pessoa escolhida por Deus para difundir a verdade e a paz entre a humanidade, em lugar da violência e da falsidade", diz em voz baixa, enquanto dirige. Ram é capaz de manejar o jipe com grande habilidade e ao mesmo tempo analisar cada palmo da selva com um olhar indiferente. ``Nesta terra, o equilíbrio é difícil", afirma. ``Um camponês não consegue compreender porque seu gado não pode pastar em paz porque as pastagens estão reservadas aos animais selvagens." Em Bandhavgarh, um parque nacional pequeno e compacto, um velho religioso fala conosco. Ele quer cortar caminho, passando pelo meio da reserva. Apesar do perigo de andar à noite numa área povoada por tigres e leopardos, ele insiste em passar. Ninguém o impede. ``A independência mudou tudo", diz ele depois de cuspir uma saliva vermelha devido ao ``pan" –uma pasta digestiva que é um misto de bétele, lima, especiarias e, às vezes, ópio– e aceitar uma carona no jipe. ``As selvas foram queimadas para vender a madeira ou se transformar em lavouras, e as cidades ficaram emporcalhadas. Agora, depois da embriaguez da independência, a Índia começa a se reerguer. Vocês, estrangeiros, precisam nos dar algum tempo. Pensem que um doente grave não pode começar a correr da noite para o dia." Em Bandavgarh as monções já começaram. As pegadas de uma tigresa estão perfeitamente visíveis no chão úmido. O velho olha para elas, devagar, as acaricia e depois beija seus dedos. ``Este é um lugar mágico. Os homens que morrem aqui se convertem em tigres e os tigres que morrem aqui se convertem em deuses. Que pecados terão cometido nossas almas para estarmos encerrados nestes corpos?" Tradução de Clara Allain Texto Anterior: Peste fez 56 mortos e turista dos EUA morreu em atentado na Caxemira ;Instabilidade Próximo Texto: Passeios de jipe custam US$ 13 Índice |
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