São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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Comércio de ossos de tigre estimula a caça

Carcaça é ingrediente da medicina tradicional chinesa

JAVIER PÉREZ DE ALBÉÑIZ
DO ``EL PAÍS"

No início deste século, cerca de 50 mil tigres caçavam nas terras virgens da Índia. Há 20 anos, restavam menos de 2.000. Hoje, a cifra mundial está em 7.000 exemplares, dos quais dois terços vivem na Índia.
Mas seus números oscilam constantemente. O comércio de ossos desses animais, aos quais a medicina tradicional chinesa atribui falsos poderes curativos –contra úlceras, malária, febre tifóide e outras doenças–, leva à proliferação dos caçadores ilegais no país.
``Alguns desses caçadores são capazes de matar um tigre por US$ 50, quantia ridícula frente ao que se paga no mercado asiático", diz um guarda da reserva de Kanha, situada próximo à cidade de Jabalpur.
``Alguns deles usam fuzis velhos. Outros são capazes de rechear uma vaca morta com bananas de dinamite e preparar um mecanismo perigoso –uma espécie de armadilha-bomba– que a faz explodir enquanto o tigre a está comendo".
Contam que em 1907 um único caçador matou 300 tigres na região desse parque. No dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, Rudyard Kipling recebia o Prêmio Nobel de Literatura.
Poucas semanas antes, um estranho homenzinho indiano repudiava a lei asiática, renunciava à sua profissão e organizava a resistência passiva de todo um povo.
Seu nome era Mohandas Karamchand Gandhi e todos os seus pertences cabiam dentro de um lenço. ``Não tenho nada contra os ingleses", disse Gandhi, ``e sim contra sua civilização".
Ram, um dos guias da reserva de Kanha, se emociona apenas em falar o nome de Gandhi. ``Ele foi a pessoa escolhida por Deus para difundir a verdade e a paz entre a humanidade, em lugar da violência e da falsidade", diz em voz baixa, enquanto dirige.
Ram é capaz de manejar o jipe com grande habilidade e ao mesmo tempo analisar cada palmo da selva com um olhar indiferente.
``Nesta terra, o equilíbrio é difícil", afirma. ``Um camponês não consegue compreender porque seu gado não pode pastar em paz porque as pastagens estão reservadas aos animais selvagens."
Em Bandhavgarh, um parque nacional pequeno e compacto, um velho religioso fala conosco. Ele quer cortar caminho, passando pelo meio da reserva. Apesar do perigo de andar à noite numa área povoada por tigres e leopardos, ele insiste em passar. Ninguém o impede.
``A independência mudou tudo", diz ele depois de cuspir uma saliva vermelha devido ao ``pan" –uma pasta digestiva que é um misto de bétele, lima, especiarias e, às vezes, ópio– e aceitar uma carona no jipe.
``As selvas foram queimadas para vender a madeira ou se transformar em lavouras, e as cidades ficaram emporcalhadas. Agora, depois da embriaguez da independência, a Índia começa a se reerguer. Vocês, estrangeiros, precisam nos dar algum tempo. Pensem que um doente grave não pode começar a correr da noite para o dia."
Em Bandavgarh as monções já começaram. As pegadas de uma tigresa estão perfeitamente visíveis no chão úmido. O velho olha para elas, devagar, as acaricia e depois beija seus dedos.
``Este é um lugar mágico. Os homens que morrem aqui se convertem em tigres e os tigres que morrem aqui se convertem em deuses. Que pecados terão cometido nossas almas para estarmos encerrados nestes corpos?"

Tradução de Clara Allain

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