São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 1994
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Concentração ameaça liberdade cambial

ALBERTO ALVES SOBRINHO

O elemento central para o êxito do Plano Real é a mudança do regime cambial. Com uma das maiores posições de reservas em todo o mundo, o Brasil pôde estabelecer o sistema informal de bandas e estabelecer novo padrão de competitividade.
Sair do superávit para o equilíbrio ou mesmo déficit na conta corrente de balanço de pagamentos e notadamente na balança comercial tornou-se uma perspectiva concreta.
A crescente liberdade cambial está porém ameaçada pelo fenômeno perverso da concentração. Pode-se dizer que a MP 635, que instituiu o plano de estabilização, permitirá um verdadeiro canibalismo na área financeira, expulsando tradicionais parceiros cuja atuação é decisiva para os baixos custos da intermediação das operações de câmbio.
A rigor, 50 mil pessoas com 12 mil empregos diretos estão em risco por causa do artigo 78 da MP 635. Nele, os autores do plano pretendem revogar a lei 5.601/70, que regula a interveniência das corretoras de valores na intermediação das operações de câmbio.
O argumento capcioso empregado há anos pelos adversários das corretoras de câmbio é o de que elas dispõem de reserva de mercado, um cartório, enfim, onerando vítimas entre as quais importadores e exportadores e contribuindo assim para encarecer as operações de comércio exterior, em detrimento da competitividade.
As críticas revelariam profundo desconhecimento do assunto se não partissem de uma das mais qualificadas instituições brasileiras, ou seja, do Banco Central. Estamos convencidos, porém, de que dentro do BC, são poucos os defensores da supressão da lei 5.601.
Lamentavelmente, cabe analisar a quem beneficia a eliminação dessa lei, que foi mantida por duas vezes pelo atual Congresso, que repudiou investidas anteriores.
Os argumentos empregados contra a lei 5.601 evidencia:
1) Reserva de mercado – A falsa premissa é de que as corretoras dispõem de mercado cativo. A realidade, porém, é que todas as operações podem ser realizadas com total liberdade pelas empresas, tornando inócua a obrigatoriedade.
2) Cartório – por definição, cartório é um lugar do qual você não pode escapar. A verdade é que o ``cartório" das corretoras mais se assemelha a uma peneira. Grande parte das operações são realizadas diretamente entre bancos e empresas.
O sistema bancário poderia fazer todo o serviço diretamente, mas preferem operar em estreita ligação com as corretoras, delas se servindo intensamente. Há mais de 300 corretoras de câmbio em todo país, a maioria de pequeno porte, e muitas constituídas nos últimos três anos.
3) Ônus - Face à existência de centenas de intermediários e à competição agressiva, os custos da intermediação são baixíssimos. Em geral, limitam-se a 0,08% do valor das operações, mas chegam a ser simbólicas, à semelhança do mercado interbancário.
Grande parte das despesas vem das imposições burocráticas do BC que obrigam à confecção de uma maçaroca de papéis e registros em Brasília via Sisbacen. Dezenas de formulários são transmitidos diariamente para o BC gerando enormes custos telefônicos. Servindo-se das corretoras, os bancos e empresas evitam essas tarefas e custos, promovendo a terceirização.
Se os clientes não reclamam, se há grandes bancos como parceiros e se o próprio residente da Febraban, Alcides Tápias, manifestou-se favoravelmente à manutenção da lei 5.601, em julho, por que a teimosia do BC?
A dúvida é preocupante, pois além de poder matar, potencialmente, 300 micro e pequenas empresas, a revogação da lei 5.601 favorecerá a imediata concentração das atividades, expulsando corretoras em favor das instituições bancárias que querem reduzir a competição a qualquer custo, embora já dispunham de instrumental privilegiado para atrair mais clientes.
Afastando as corretoras, o governo vai contra a própria Lei Antitruste que há pouco editou, pois subsistirá uma modestíssima proteção de mercado pela franca oligopolização do segmento.

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