São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 1994
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Meu nome é 2.518 ou Pipil

José Sarney

JOSÉ SARNEY
VOLTO A INSISTIR NA MODERNIZAÇÃO DO NOSSO SISTEMA ELEITORAL.

A velha discussão de quem deve vir primeiro –a democracia ou o crescimento econômico– tornou-se uma coisa do passado. Hoje, sabe-se que a história levou-nos a um estuário, o binômio inseparável: democracia liberal e economia de mercado.
O mercado só funciona com a democracia. A democracia só funciona com a liberdade do mercado.
Nossa democracia é hoje a segunda do Ocidente. Noventa milhões de eleitores não é um número meramente formal, e o povo é realmente soberano. Mas o nosso sistema político é arcaico, remonta ao século 19 e, finalmente, por deficiência de funcionamento, pode tornar-se ilegítimo.
Vejam-se os votos nulos, em branco, as abstenções. Até onde eles são uma atitude política ou uma falha substancial?
Comecemos pelo voto proporcional, uninominal. Ele só existe no Brasil; acabou no mundo inteiro. Ele destrói os partidos, impede que se formem e consolidem-se, transformando agremiações em facções. Hoje, todos procuram os pequenos partidos, de aluguel, banca de registro de candidatos, sem nenhuma representatividade, achando assim que é mais fácil eleger-se.
O voto proporcional é o maior responsável pela impossibilidade de automação do pleito num país em que até a ficha telefônica está sendo substituída por cartão magnético.
Somente o voto distrital puro ou misto é capaz de tornar o regime democrático forte, sustentador de governos estáveis, de partidos políticos capazes de intermediar o povo e o poder.
O voto proporcional leva à corrupção. Vejam-se a Itália, que teve de bani-lo, e a CPI do Orçamento. Ele faz as representações envelhecerem rapidamente, ou Congressos que do dia para a noite passam a senilidade e, por isso mesmo, perdem credibilidade e respeito público.
Some-se a isso o artifício para se encontrar fórmulas para que o voto proporcional possa ser exercido. É a numerologia: João é 2.566, Antonio é 3.119, sicrano é 3.040, e os próprios majoritários, 15, 25, 17 etc. A confusão na cabeça do povo é enorme. O programa eleitoral proporcional, gratuito, é impossível de ser feito e ensejou a fórmula: ``Meu nome é (Enéas) ou melhor, Pirulito, o 2.844!
E o sistema pegou de tal modo, destruindo os partidos, que se fez, supostamente como avanço, o programa eleitoral gratuito, sem os partidos. A eleição é o candidato, a pessoa, e nada mais! Onde o partido, seus líderes, suas idéias, o espírito de equipe, base do sistema representativo?
Urge (não gosto da palavra!) ter a coragem de comandar a mudança. O ministro Sepúlveda Pertence, recebendo o presidente do Tribunal Eleitoral da Índia, teve uma explicação lapidar ao explicar como se lida com milhões de eleitores no Brasil. ``E os analfabetos?", perguntou o indiano. O ministro Sepúlveda respondeu, brilhantemente: ``Pela nossa lei, sabe ler, escrever e, agora, digitar..."
E ainda temos o normógrafo...

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