São Paulo, sábado, 15 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Visão de líder

CARLOS FERNANDO SOUTO

Incomum a voz que se erga em nosso país para defender verdadeiro livre comércio, para o qual o fundamental é o respeito à liberdade de trocas espontaneamente realizadas entre indivíduos.
Essa idéia, surpreendentemente qualificável de corajosa, enfrentaria o discurso organizado de burocratas que passam seus dias criando o que convencionaram chamar proteções legais, além daqueles que insistem em falácias sugestivamente denominadas de questões de relevante caráter social.
Tudo para ocultar a incompetência administrativa e os objetivos privados às custas do erário público.
Nessa linha, surgem novas manifestações de empresários, tidos como líderes, merecedoras de frontais críticas pelas complicações que geram e erros que renovam.
Supostos líderes empresariais –se é que se pode falar em classe empresarial– afirmam que é chegada a hora de os empresários darem a sua contribuição, não aumentando preços de seus bens ofertados, a fim de conter a corrida inflacionária.
Ou culposamente avaliam mal o que estão dizendo, não sabendo relacionar causa e efeito, ou dolosamente buscam os refletores e o apelo institucional de sua imagem particular, não sabendo sequer valorizar o importante papel exercido pelos empresários em uma sociedade livre.
Desta última hipótese –a mais provável– decorrem consequências drásticas, a começar pelo esquecimento do conceito de ação humana, como valor fundamental na compreensão da importância das trocas livres.
Qualquer ação é uma tentativa para substituir uma situação menos satisfatória por outra mais satisfatória. Por isso realizamos trocas. Abandonamos o que nos satisfaz menos, para obter algo que nos agrada mais. A relação de troca, dessa forma, é a relação social fundamental.
Nessa mesma linha, lucro, no sentido mais amplo, é o ganho decorrente da ação; o aumento de satisfação ou redução de desconforto obtido; é a diferença entre o maior valor atribuído ao resultado obtido e o menor valor atribuído aos sacrifícios feitos para obtê-lo.
Dessa análise resulta a evidente constatação das virtudes emergentes de uma situação de verdadeiro livre comércio. Em estado de direito com sistema pleno de trocas, onde há livre entrada na economia, garantia do direito à propriedade privada e respeito ao indivíduo, as vantagens são inequívocas e incontroláveis.
Não há portanto respaldo a justificar o que absurdamente ainda ocorre no Brasil: insistentes intervenções estatais, protecionismos, monopólios artificiais, subsídios, reservas de mercado etc.
Por incidirem esses obstáculos ao livre comércio no Brasil, assistimos a inflação crescer a proporções assustadoras, tornando os indivíduos involuntariamente peças débeis de uma engrenagem chamada interesse coletivo, a qual radicalizando as idéias de List, sequer se preocupa com a fiel representatividade de seus tutelados.
Além dessa realidade e da inflação econômica, que pune os pouco ou nada abastados, verifica-se total e flagrante desrespeito aos consumidores indivíduos, forçados a aceitar as condições impostas pelos detentores de concessões públicas.
Nesse sentido, os brasileiros imigrantes ilegais em outros países não são mera coincidência em relação aos agora proibidos balseiros cubanos, sem disponibilidade de ofertas, sem opção para acordar trocas verdadeiras.
Quanto maior a liberdade econômica e a estabilidade das regras do jogo, maior a necessidade de suprir-se efetivamente as demandas dos indivíduos sem fronteiras. Onde há livre comércio, não há como alguém se arvorar a possuidor das informações quanto mais ao poder de estabelecer preços. Estes serão determinados pela opção dos consumidores.
O discurso que clama pela contribuição dos empresários, além de desestimular a busca natural e construtiva do lucro, oculta a intenção de impedir a abertura da economia, mantendo-se as reservas de mercado.
Ainda é tempo de convivermos com uma economia franca e aberta, onde consumidores e produtores prescindem de leis em sua defesa; onde a competição garante a desnecessidade de burocratas e normas regulamentadoras; onde as trocas livres impõem a necessidade de oferta de melhores produtos e serviços pela especialização de fornecedores.
Enfim, os poderosos detentores das vantagens artificiais devem aprimorar não somente seus discursos, mas suas empresas, sob pena de terem de fechar suas portas.
A visão paternalista para ação do Estado, proferida por maus líderes, oculta interesses particulares injustificáveis. Está na hora de mudar a visão dos líderes ou os líderes sem visão.

Texto Anterior: Óbvio
Próximo Texto: Venda da indústria cresce 17,5% em agosto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.