São Paulo, sábado, 15 de outubro de 1994
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Van Noten quer honestidade na moda

ERIKA PALOMINO
ENVIADA ESPECIAL A PARIS

Através de uma coleção de roupas simples e discreta, inspiradas nos anos 50, o belga Dries Van Noten, 36, é uma das sensaçãos da temporada do prêt-à-porter em Paris. Van Noten mostrou no primeiro dia dos desfiles seu ideal de mulher, a ``coquette", feminina e elegante (leia nesta página).
Com isso Van Noten se livra de uma vez do espectro do desconstrutivismo, o movimento intelectualizado e severo que derrubou, junto com o grunge, o glamour dos anos 80. A onda partiu da escola em que um grupo formado por An Demeulemeester, Martin Margiela e Dirk Bikkembergs,, conhecidos como ``Os Seis de Antuérpia", abalou o mundo.
Hoje, Van Noten vê seu trabalho consolidado em suas vendas em vários países e na aclamação por parte da imprensa. Leia a seguir a entrevista exclusiva concedida à Folha, em seu show-room em Paris.
Folha - Como você se tornou estilista?
Dries Van Noten - Minha família é do ramo de moda, eles têm lojas; por isso para mim era uma coisa mais natural continuar nesse negócio. Não apenas vendendo, mas também criando. Foi em 85, depois que eu participei de um concurso na Bélgica, que eu abri uma pequena loja, com a coleção do concurso. Mas como uma loja tem que ter as roupas toda estação, tive que começar a fazer coleções, bem pequenas. Na coleção que apresentei agora, por exemplo, faço cerca de mil peças.
Folha - Qual era seu objetivo no início? Você imaginava chegar onde está hoje?
Van Noten - Nunca pensei ``–Bem, eu quero atingir este ponto ou aquele"; não sou assim. Vejo o que acontece e se eu gosto, tudo bem. Se não, faço outra coisa.
Folha - Quais são suas vontades de moda?
Van Noten - Quero mostrar roupas normais, que homens ou mulheres possam usar. E que estas não se sobreponham à personalidade de quem as usa. De modo que você possa usar a roupa de modos diferentes, que ela se adapte à pessoa é a coisa mais importante.
Folha - Quais foram suas influências para esta coleção de verão? O que pretende com ela?
Van Noten - Com esta coleção eu quero mostrar a ``mulher de verdade"; em francês chamamos ``coquetterie". No desfile fizemos isso de modo extremo, radical. Na passarela, salto alto com os cabelos ``chignon", ficam muito graciosos. Mas claro que você pode usar a roupa de modo diferente. É a parte feminina que me interessa.
Folha - Você acha que, para mostrar essa feminilidade é preciso buscar imagens do passado?
Van Noten - Para trazer de volta a mulher na moda, sim. Porque nas duas últimas décadas as mulheres não estavam mais se vestindo de modo feminino. Quando se inicia uma coleção moderna e atual, muitas raízes estão no passado.
Folha - Qual a diferença entre este trabalho e suas coleções do início de sua carreira?
Van Noten - Tudo ficou mais limpo. Eu não apresento mais todos os looks sobrepostos que eram típicos das minhas primeiras coleções. As peças são mais simples, com mais estrutura.
Folha - Como você trabalha seus tecidos?
Van Noten - Todas as estampas foram feitas exclusivamente para nós. Mesmo a parte de tecnologia têxtil foi feita como pedi, para ficar exatamente com o efeito que eu quero.
Folha - Como você lida com o fato de seu trabalho ser copiado? Sabia que tem gente copiando você até no Brasil? Nas estampas de rosas, nas padronagens...
Van Noten - Eu tenho que mudar a cada temporada para estar sempre um passo à frente. Mas acho isso bom.
Folha - Mas isso não incomoda você? Ou você acha que essa é uma prática normal na moda?
Van Noten - Isso mesmo. Faz parte.
Folha - O que você acha do desconstrutivismo?
Van Noten - Acho que é um nome colocado pela imprensa, porque quando eles não sabem o que dizer de alguém, eles põem todo mundo sob o mesmo rótulo. Quando nós belgas começaram com sua moda, em 86, 87 e nos tornamos mais conhecidos em Paris no início dos anos 90, procuravam coisas em comum. Nós estudamos todos juntos na mesma faculdade.
Nós crescemos como estilistas nos anos 80, uma época em que a moda era pura pose, grandes desfiles, uma época em que você se escondia por trás das roupas. As coleções que nós fazíamos eram uma reação a tudo isso.
Folha - Contra o quê vocês reagiam?
Van Noten - Quando você pega a moda de 85, 86, vê que se gastava muito dinheiro comprando roupas. As pessoas eram muito materialistas. A cada temporada as roupas ficavam mais e mais caras. E não queríamos fazer roupas que servissem apenas para uma temporada. Isso não é honesto. Queremos trazer honestidade, roupas que você possa usar por várias temporadas. É péssimo você usar uma roupa três meses e depois ter que enconstá-la porque ela não é mais certa, porque não está mais ``na moda".
Folha - E como você vê hoje o trabalho destes outros estilistas? Eles se desenvolveram de modo semelhante ao seu?
Van Noten - Acho que Martin é sempre Martin, ele tem uma identidade muito definida. Nas minhas coleções, há uma espécie de evolução, coisas que vão mudando gradativamente. Não há uma revolução grande.
Folha - Você prefere criar roupas de homem ou de mulher?
Van Noten - É o mesmo. É muito divertido fazer os dois, apesar de que as roupas masculinas são mais difíceis. Meu método é o seguinte: numa folha de papel, desenho uma linha ao meio. De um lado desenho coisas mais fashion, no outro mais clássicas. Para os homens tenho mais dificuldade em equilibrar os dois aspectos. Para a mulher, você sempre pode exagerar um pouco mais.
Folha - Como você trabalha com os elementos masculinos na sua moda feminina?
Van Noten - Para um tipo de feminilidade, é muito bom usar roupas masculinas. Fica muito sexy.

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