São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 1994
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Remédio amargo

CELSO VARGA

O Brasil está definindo, juntamente com seus parceiros do Mercosul, a chamada Tarifa Externa Comum, que regulará a importação fora do Mercado Comum. Trata-se, na prática, da definição de quase todas as tarifas de importação de nosso país, causando impacto em muitos produtos e afetando a situação competitiva de vasta quantidade de empresas.
O governo brasileiro vem agindo com extrema boa vontade para com os seus parceiros, o que é muito positivo. Porém, chega ao ponto de aceitar imposições preocupantes, como é o caso da prevalência do Regime Automotriz da Argentina, que impõe uma cota de nacionalização de 60% para a produção local, impedindo, desta maneira, que autopeças brasileiras transitem livremente entre os países.
É compreensível que a Argentina tenha necessidade de tal dispositivo, porém, não se pode aceitar que não adotemos nenhuma medida compensatória para equilibrar esta grave distorção. Devemos lembrar ainda que o Brasil não deu continuidade ao projeto de lei de exportações que viria a contornar parte desta situação.
A redução das tarifas acontece ainda num momento em que se deve ter extremo cuidado com a preservação de nossas empresas. Quantidade ainda pequena de companhias já se adequou à competição internacional, enquanto que outra parte delas ainda se encontra em estágios de desenvolvimento de sua capacidade de competir internacionalmente, e o país não pode prescindir de ambas as categorias de empresas, pois tem uma população crescente e com grande necessidade de geração de empregos.
É correto, entretanto, que uma pequena parte das empresas venha a desaparecer, fruto de um ajuste competitivo. É aceitável ainda que o governo se utilize das tarifas de importação para impor a empresários irresponsáveis um ambiente competitivo e, dessa forma, controle o crescimento dos preços. Além disso, já se sabia que tais regras chegariam mais cedo ou mais tarde.
O que não se sabia é que o pais não adotaria medidas compensatórias para a redução do"Fator Brasil" (desvantagem competitiva das empresas por estarem localizadas no Brasil), que hoje pesa de forma insustentável, chegando a representar 12% nos preços finais dos produtos, e que tomaria medidas de redução drástica de tarifas antes que isso fosse solucionado.
No setor de autopeças as barreiras para algumas peças caíram de 25% para 20% no mês de setembro e para outras já se fala em redução para 18% neste mês.
As tarifas dos automóveis foram reduzidas para 20% e, diante da situação, não seria de se estranhar que as montadoras intensificassem a importação de veículos completos, tirando partido da capacidade ociosa de 10 milhões de veículos no mundo todo. Estas seriam as últimas prejudicadas com a redução das tarifas, antes deles viriam os trabalhadores e as empresas de autopeças, além do próprio governo.
Nos últimos meses, somando-se redução de tarifas, as empresas estão tendo de enfrentar simultaneamente uma valorização de cerca de 15% da moeda nacional, o que significa que para voltar à situação anterior elas teriam de melhorar sua produtividade global em mais de 20% em apenas dois ou três meses, tarefa esta que normalmente levaria de dois a três anos.
Este tipo de situação só pode ser criada por pessoas que estão distantes do processo produtivo e, portanto, não têm como avaliar quanto tempo e trabalho são necessários para que ele se compatibilize com mudanças macroeconômicas.
Em países desenvolvidos, como Japão e Estados Unidos, a produtividade pode crescer de 3% a 6% ao ano com intensos investimentos em tecnologia. Como é possível que um país como o Brasil, onde as taxas de juros são infinitamente superiores às daqueles países, possa fazer frente à competição internacional em um período de apenas alguns meses? Investindo em novas técnicas gerenciais, alguns diriam.
Acontece que estas técnicas também só dão resultados a longo prazo e o nosso país começou a se preocupar com elas há cerca de quatro anos. O Japão, por exemplo, levou perto de 30 anos para se tornar competitivo, os Estados Unidos tiveram de investir durante 15 anos para que sua indústria automobilística voltasse a ter condições de enfrentar os competidores internacionais.
Quanto às exportações, subiram em função do aumento de preços dos commodities e de contratos de exportações de bens industriais fechados antes do plano. O comportamento destes últimos não se compara aos de commodities, pois uma vez perdido um contrato de produtos de alta tecnologia e alto valor agregado, estes dificilmente voltarão, já que o cliente perde a confiança na empresa vendedora.
Assim sendo, não é um assunto para ser tratado por tentativa e erro. Uma vez perdida a oportunidade, ela geralmente se vai por muito tempo e às vezes para sempre.
As decisões tomadas no Mercosul afetam o Brasil como um todo e devem ser tratadas com muito cuidado para que, juntamente com nossos parceiros, tenhamos sucesso. Além disso as decisões macroeconômicas, tais como tarifas de importação e juros com suas consequências no câmbio, devem considerar seu cronograma de aplicação para fazer com que as empresas se esforcem para melhorar, porém com o cuidado para que estas não desapareçam.
A redução das tarifas de importação certamente é um bom remédio para controle da inflação e modernização das empresas brasileiras, além de atuar contra os casos de empresários inescrupulosos que tiram proveito da fragilidade do mercado para nele se instalar e dele se aproveitar.
Entretanto, este mesmo remédio pode ser amargo ou até mesmo fatal contra aqueles que têm condições de suplantar suas dificuldades, mas são apanhados por seus efeitos colaterais.

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