São Paulo, terça-feira, 18 de outubro de 1994
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Curadora defende arte politicamente correta

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não seria exagero afirmar que Julia Herzberg é uma das modificadoras dos rumos da arte contemporânea internacional. Quando, em 1980, esta nova-iorquina típica, então professora de linguística, interessou-se por arte latino-americana, não havia quem a levasse a sério. Afinal, salvo a obra dos muralistas mexicanos, não havia mercado em leilões ou galerias e espaço em museus para a mostra de uma arte que não fosse branca, européia ou norte-americana.
Dez anos depois, em 1990, a exposição ``The Decade Show" (A Mostra da Década), com curadoria do Julia, abalou estes pilares de convicções artísticas. Talhada ao redor de questões da identidade na arte, reuniu a produção, nos anos 80, de artistas de várias raças, gêneros, nacionalidades. A mostra, que aconteceu em três museus de Nova York, tornou-se eco e espelho do que agora se rotula de multiculturalismo.
Julia Herzberg esteve no Brasil, depois de uma visita à Argentina, para conhecer instituições e a produção artística dos dois países, com a idéia de estabelecer curadorias internacionais e trabalhar a arte de maneira global, como conta em entrevista exclusiva à Folha.
Folha - Como é que você começou a se interessar por arte latina, considerada de ``minorias" nos EUA, e como este panorama se modificou nos últimos anos?
Julia Herzberg - Até dez anos atrás, a história da arte e seu mercado eram restritos à produção de europeus e norte-americanos. É como se a arte fora deste eixo não existisse. Quando, em 1981, fui fazer um mestrado na Universidade de Nova York e queria escrever sobre arte latina, perguntaram-me: ``Ela existe?".
Hoje há um grande interesse das instituições em formar curadores e críticos especializados nesta área. Isso porque, nos dez últimos anos, com as mudanças políticas mundiais e a constatação de que existem milhares de latinos, africanos, asiáticos morando nos EUA e a Europa ocidental, não há como negar que eles devam ter um espaço e uma forma de expressão.
Folha - Estas são as bases do multiculturalismo. Mas seus críticos acusam esta postura de ser demagógica, de dar um espaço para minorias de modo a formar um grande e homogêneo bloco.
Julia - Isso pode até acontecer. Mas é um momento em que essa radicalização é necessária. É preciso primeiro se tomar consciência das diferenças. Só depois poderemos lidar com a variedade de forma natural, sem a necessidade de rótulos. Haverá um dia em que a poesia africana será tão importante quanto a francesa. Então, não precisaremos agir de forma ``politicamente correta".
Folha - O ``Decade Show" aconteceu em 1990, em Nova York. Como a idéia de fazer um balanço na produção da década de 80 reunindo artistas de várias nacionalidades funcionou como um marco na arte contemporânea internacional?
Julia - O objetivo desta exposição era estabelecer um paradigma da arte dos anos 80. Em comum, essa arte tinha uma preocupação com conteúdo, mensagem, com questões de identidade. E era produzida por norte-americanos e também latinos, africanos, asiáticos, que não tinham suas vozes ouvidas nos EUA, como a brasileira Josely Carvalho.
Folha - Agora, críticos e instituições atestam o ``revival" da narrativa e novas bienais se organizam em torno destes temas.
Julia - É verdade. A última Bienal Norte-americana fez da busca do conteúdo seu grande mote. Isso não quer dizer que não haja mais espaço para a arte abstrata. O mais importante desta nova fase artística é a postura interdisciplinar de se ver o mundo.
Folha - Você veio à Argentina e ao Brasil para estabelecer conexões e propor curadorias interdisciplinares. O que viu aqui?
Julia - Visitei fundações privadas em Buenos Aires. Quero investigar como, depois dos militares, os governos e as empresas dos dois países lidam com a produção da arte contemporânea.
Adianto que fiquei bem impressionada com o Brasil. Admirei a seriedade de museus como o Lasar Segall, que tem uma visão interdisciplinar da arte, e o MAC, pela qualidade do acervo e curadoria. O Brasil tem um enorme potencial em relação à arte pública. A iniciativa de se fazer arte no metrô, por exemplo, é fenomenal. Dali poderá surgir uma grande valorização da cultura nacional.

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