São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
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Compulsório, crédito e política monetária

MÁRCIO G. P. GARCIA

Depósito compulsório são recolhimentos que as instituições financeiras fazem ao Banco Central para cumprir normas da política monetária. Tais recolhimentos são calculados sobre os montantes captados pelas instituições financeiras nas suas diversas aplicações (depósitos à vista, CDBs, cadernetas de poupança, letras de câmbio etc.), de acordo com alíquotas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central.
A elevação das alíquotas dos depósitos compulsórios é uma das armas que o governo está utilizando no Plano Real para diminuir a expansão da moeda e do crédito, tornando bastante restritiva a política monetária.
As medidas de final de agosto, que elevaram o compulsório sobre os depósitos a prazo e eliminaram a "faixa livre" das cadernetas de poupança, estão ocasionando significativa restrição do crédito na economia, além de estarem criando problemas localizados de liquidez para alguns bancos, sobretudo algumas instituições oficiais.
Os problemas causados a alguns bancos estaduais levaram o Banco Central a adiar o processo de transição às novas alíquotas do compulsório, o qual só deverá estar completo no final deste mês. Até lá são esperadas novas dificuldades com alguns grandes bancos estaduais.
A restrição ao crédito é generalizada, atingindo também o crédito via cheque pré-datado. Isso porque embora o crédito via cheque pré-datado não seja dado por nenhuma instituição financeira diretamente, o lojista que vende a mercadoria e recebe os cheques pré-datados precisa financiar a compra do bem enquanto não desconta os cheques.
Caso o lojista use recursos próprios para comprar o bem, tais recursos deixam de acorrer ao mercado financeiro, contraindo a quantidade de crédito que as instituições financeiras poderiam oferecer a outros possíveis clientes.
Caso o lojista use recursos de terceiros, a disponibilidade destes estará diretamente afetada pelo aumento dos recolhimentos compulsórios.
Ou seja, o crédito via pré-datado é afetado pelas recentes medidas. Quanto mais crédito for dado via pré-datado, menos crédito poderá ser dado diretamente por instituições financeiras.
Embora a intenção de restringir a liquidez após a reforma monetária seja correta, o perfil –entende-se como o perfil dos depósitos compulsórios a estrutura relativa das alíquotas do compulsório entre as diversas aplicações. Ou seja, o perfil atual das alíquotas é, grosso modo, 100% sobre depósitos à vista, 30% sobre depósitos à prazo e 30% sobre as cadernetas de poupança– dos recolhimentos compulsórios dos diversos ativos é inadequado, pois grava totalmente os depósitos à vista, que são precisamente os que mais tendem a crescer no processo de remonetização da economia pós-real.
No que tange à determinação legal contida na MP que criou o real de impor tetos à base monetária, o compulsório marginal de 100% sobre depósitos à vista tem dois efeitos:
a) para uma dada demanda por depósitos à vista, uma alíquota de compulsório sobre depósitos à vista mais elevada torna maior a base monetária; e
b) frente a uma restrição forte de liquidez (como a atual), a impossibilidade de utilizar os recursos captados em depósitos à vista –com 100% de compulsório marginal, tudo que os bancos captam em depósitos à vista é recolhido ao Banco Central sob a forma de reservas não remuneradas– faz com que as instituições financeiras tentem influenciar seus clientes para redirecionar os fundos para transação que normalmente iriam para os depósitos à vista para outras aplicações.
O efeito "a" acima torna mais apertados os tetos monetários da MP, enquanto o efeito "b" tende a torná-los inócuos. Isso porque quando os fundos para transação passam a ser transferidos dos depósitos à vista para outras aplicações, o controle da base monetária perde o sentido.
A política monetária estruturada da forma atual –isto é, conjugação do controle sobre a base monetária com um compulsório marginal de 100% sobre depósitos à vista– é autodestrutiva.
Caso o controle da base monetária funcione, tornando restritivos a moeda e o crédito, os meios de pagamento tenderão a ser transferidos para outras aplicações, menos gravadas pelo compulsório do que os depósitos à vista. A possibilidade de tal movimento torna o controle da base monetária cada vez menos significativo.
A segunda consequência negativa de "b" é distorcer a demanda pelos diversos ativos monetários e financeiros. Isto faz com que a estrutura da demanda por M4 –o total da riqueza financeira no Brasil– se afaste daquela que deve vigorar sob inflação baixa, porque haverá menos depósitos à vista do que seria o caso se o compulsório marginal não fosse de 100%. Ou seja, prevê-se que haja no futuro novas alterações na composição dos porta-fólios privados, o que introduzirá distorções na séries de agregados monetários e dificultará o desenho de uma regra de controle monetário ou de juros compatível com inflação baixa.
A terceira consequência negativa de "b" é que à medida que fundos de transação são realocados dos depósitos à vista para outras aplicações (fundos de curto prazo, depósitos à prazo, cadernetas de poupança etc.) os bancos passam a recolher uma quantidade menor do compulsório ao Banco Central sob a forma de reservas bancárias (sobre as quais o governo nada paga) e uma quantidade maior sob a forma de depósitos remunerados e/ou títulos públicos (sobre os quais o governo paga juros). Ou seja, o déficit fiscal aumenta.
Note-se que apesar destas três consequências nocivas de "b", uma outra consequência é que com "b" fica mais fácil cumprir os tetos monetários prescritos na MP do real. Mas tal observação tão somente ressalta a pouca relevância para a política monetária dos tetos sobre a base monetária fixados pelo governo.
Em resumo, o aumento do compulsório está produzindo um aperto de liquidez, que torna o crédito mais raro e mais caro. Alguns bancos estaduais deverão enfrentar dificuldades adicionais até o final do mês, quando se completa o processo de adaptação dos bancos às novas alíquotas do compulsório sobre depósitos a prazo.
Uma medida que se impõe é alterar o perfil das alíquotas dos compulsórios de forma a reduzir a alíquota do compulsório sobre depósitos à vista. Modificações frequentes nos compulsórios devem ser evitadas, mas a próxima modificação deverá ter como objetivo prover um desenho do perfil dos compulsórios compatível com a demanda por ativos monetários e financeiros em uma economia de baixa inflação.
Isto permitirá se reduzir paulatinamente o grau de aperto monetário, sem alterar demasiadamente a distribuição relativa entre os diversos componentes, do M4, possibilitando um desenho mais preciso e eficaz da política monetária.

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