São Paulo, quinta-feira, 20 de outubro de 1994
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E se o brasileiro vigiasse a escola como vigiou a seleção?

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

O milagre brasileiro foi ter ido tão longe com tão pouca educação. Esse foi também o nosso azar. O Brasil chega ao fim do século com um ensino básico catastrófico –só ganhamos do Haiti. E hoje sabemos ser esta base educativa mais crítica para o nosso sucesso econômico e social.
A única mudança significativa no panorama educacional é o aumento da consciência de que as coisas vão muito mal no ensino básico. Não é muito, mas já é um começo.
Todas as pesquisas mostram nosso mau desempenho e abundantes teorias explicam por que isto aconteceu. Gastamos mais de uma década encontrando boas explicações para nossos fracassos e buscando soluções mágicas. No entanto, países muito mais pobres do que o Brasil resolveram todos estes mesmos desafios do ensino básico (China, Cingapura, Coréia, Costa Rica, Sri Lanka e Tailandia).
Os atuais países ricos os resolveram quando eram mais pobres do que o Brasil. Nenhum precisou de fórmulas mágicas e nenhum conhecia tantas teorias do fracasso escolar. Simplesmente agiram, em vez de falar. Bastou quadro-negro, cartilha, vara de marmelo e muito desvelo. A pedagogia feijão-com-arroz sempre funcionou.
Em contraste com sua inapetência na educação, o Brasil demonstrou fôlego e competência para fazer coisas muito mais complicadas nas áreas econômicas, científicas e tecnológicas: aviões, armamentos, automóveis, máquinas, ferramentas, pesquisa científica, bioengenharia da soja, Carnaval e futebol.
Ou seja, tudo que levou a sério o país fez bem. Por que será que falhou tão lamentavelmente no ensino básico? Como é que pode ter uma educação tão ruim e fazer coisas tão difíceis?
Acreditamos que a resposta seja simples: não fez bem porque não teve empenho, não tentou seriamente. A educação não tem sido uma prioridade real da sociedade. Se o brasileiro vigiasse a escola como vigiou a seleção, o problema do ensino básico estaria resolvido.
Em nossa democracia pé-duro e nas nossas ditaduras ralas, os políticos e administradores ouvem e respondem mais ou menos ao que querem os eleitores e os reclamadores. O sistema não é insensível à demanda. As respostas não estão desalinhadas com as prioridades dos que votam conscientemente e dos que fazem barulho.
Há demanda por vagas e o sistema as oferece para todos. Há demanda por novas escolas que enriquecem construtoras e dão belas inaugurações, como resultado, não faltam prédios. Há muito mais professores do que salas de aula, já que isso dá poder a quem os nomeia. Mas só demandam qualidade os menos pobres que resolveram seus problemas no ensino privado. E se não há uma demanda política por qualidade, o sistema não a oferece e os políticos não brigam por ela. Politicamente, o sistema está em equilíbrio. Se há crise, esta apenas vive em nossas cabeças.
Se isso é verdade, resolver o problema da educação básica requer convencer os brasileiros de que é preciso cobrar um ensino de qualidade e não aceitar nada senão qualidade. Feito isso, com a competência atingida pela nossa sociedade, o resto acontecerá. Reclamar faz milagres.
Mas quantos pais vão reclamar que a escola não passa dever para casa, que o professor falta, que a escola está em greve, que o currículo não foi cumprido? Quando pais, empresários, sindicatos, imprensa e outros atores cobrarem para valer, a educação mudará, sem fórmulas mágicas, apenas com desvelo, cobrança e presença.
Acabará o clientelismo corrosivo no dia em que o deputado pedir ao prefeito para contratar a afilhada do seu cabo eleitoral e ouvir a resposta de que se fizer isso terá no dia seguinte os pais dos alunos acampados em frente ao seu gabinete. Neste país tão dinâmico para o que considera importante, o resto vem sozinho.
As pessoas que estão cuidando da educação vão encontrar as soluções necessárias, os salários competitivos para os professores, os livros e as pedagogias.
Portanto, a resolução do problema da educação básica começa com uma questão de ``marketing". É preciso convencer os brasileiros a não aceitar uma educação tão ruim e educá-los para cobrar inteligentemente bons resultados. Vender esta idéia aos nossos patrícios é o grande desafio.
Felizmente, parece que há um novo alvorecer. Velhos atores assumem novas posturas e novos atores entram em cena. Há Estados dando bons exemplos, como é o caso de Minas Gerais e de outros que seguem na esteira. Há campanhas de mídia particularmente criativas, como a da Unicef/Odebrecht.
Há um começo de mobilização da sociedade e uma percepção de que a solução está nesta direção, de que a escola será consertada pelos milhões de pequenos cuidados e cobranças. As soluções grandes serão provocadas por esse miniativismo do cidadão comum e de outros atores que até então têm estado ausentes.
Nota-se o crescimento no número e militância de atores lutando por melhores escolas, embora no total ainda seja muito pouco. Há indicações interessantes de que muitas ações em microuniversos estão alçando vôo e explorando suas consequências macrossociais. Realmente, parece que há uma plantinha que germina e promete frutos generosos, mas que é ainda muito frágil.

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