São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 1994
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Glenn Gould ganha cinebiobrafia à sua altura

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

``32 Variações Sobre Glenn Gould" talvez tenha sido o melhor filme da chocha Mostra Banco Nacional deste ano. O mais sofisticado sem dúvida foi, superando no campo da docufantasia seus dois mais imediatos concorrentes, ``Wittgenstein", de Derek Jarman (muito afetado), e ``Uma Breve História do Tempo", de Errol Morris (muito Telecurso Segundo Grau).
A vida de um músico pode ser mais fácil de recriar na tela que as idéias de um filósofo e as de um cientista, mas não a vida de um pianista recluso como Glenn Gould, cujo único lance ``dramaticamente" interessante foi o seu voluntário afastamento do palco aos 31 anos de idade. A divisão em 32 partes é um preito às 32 ``Variações Goldberg" de Bach, que Gould gravou pela primeira vez aos 22 anos, histórica performance que o transformou num dos maiores objetos de culto da música erudita deste século.
Há tempos que os canadenses de Toronto ambicionavam consagrar no cinema o seu mais endeusado ícone artístico, mas nenhum deles teve coragem. Por ser de Montreal, François Girard encarou a missão com menos pruridos, encontrando uma forma inteligente de biografar o pianista desde os primeiros mimos maternais até sua morte, em 1992, à beira dos 50. Suas ``variações", à base de entrevistas, depoimentos e ``tableaux" com momentos-chaves da trajetória do artista, têm o estilo seco e excêntrico de Gould e dá-se ao luxo de alternar três ou quatro andamentos diferentes.
Presto: a montagem com as entrevistas de Gould. Agitato: a sequência sobre o consumo de bolinhas (Gould era hipocondríaco). Andante: a sucessão das cartas de amor. Largo: as cenas ligadas à morte do pianista.
Ao fundo, sempre, o som que Gould extraiu de Bach, Schoenberg, Sibelius e Hindemith. Única exceção: a profana ``Downtown", com Petula Clark. Explica-se: num famoso artigo sobre música pop, assunto que ele próprio admitia conhecer muito pouco, Gould comparou desfavoravelmente os Beatles à cantora Petula Clark. Bem, ele também era tarado por arrumadeiras de hotel e até no verão usava casacão, luvas e cachecol.

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