São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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Plano Real: o sucesso e as dúvidas

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO

O programa de estabilização, conhecido como Plano Real, vem obtendo sucesso inegável. Numa primeira etapa, a conversão dos salários pela média e a criação da URV foram importantes para coordenar as expectativas: foram decisivos, de modo especial, para informar o processo de fixação de preços e para criar as condições de "conversão" dos contratos, eliminando-se a indexação no momento em que fosse executada a reforma monetária.
A indicação de que, no final de julho, estava sendo dado o primeiro passo da mudança do regime monetário foi anunciada ao público pela valorização da taxa nominal de câmbio e pelo compromisso assumido pelas autoridades de vender dólares à taxa máxima de US$ 1 por R$ 1.
Em sua concepção, o plano reapresenta o método básico utilizado para dar fim à maioria das "grandes inflações do século 20: recuperação da confiança na moeda nacional, através da garantia de seu valor externo. "Ancora" é a estabilização da taxa de câmbio nominal, garantida por financiamento adequado em moeda estrangeira e/ou reservas suficientes. A "desinflação" foi rápida.
Até aqui, o sucesso. Vamos às dúvidas. A experiência colhida e refletida nas "grandes estabilizações" parece recomendar que a mudança de regime monetário deva incluir profundas alterações no comportamento do Banco Central. Elas estão relacionadas com as regras de emissão de moeda e, sobretudo, com as limitações impostas ao financiamento dos déficits do Tesouro.
O regime instaurado, ou em processo de instauração, através do Plano Real, deveria desaguar na fixação do câmbio com conversibilidade em transações correntes e em drásticas restrições à monetização do déficit pelo Banco Central. (As metas de expansão monetária aparecem como Pilatos no Credo, um tributo pago ao "Nacionalismo monetarista").
A utilização da taxa de câmbio nominal e a recuperação de financiamento externo adequado, enquanto instrumentos da "grande estabilização" cobram seu preço: os mercados de capitais, bem como o mercado de trabalho e o mercado de bens têm de se tornar mais livres, flexíveis e "competitivos". Os empresários que se manifestaram contra a redução de tarifas não entenderam o espírito da coisa: não se pode ser, ao mesmo tempo, a favor do plano e contra a ampliação da abertura comercial.
É bom advertir que o programa de estabilização depende, de forma crucial da manutenção das atuais condições na oferta de fundos externos ou pelo menos da não ocorrência de uma inversão abrupta do sentido dos fluxos que, por ora, abastecem os "mercados emergentes".
Num regime de conversibilidade e livre movimento de capitais, a taxa de juros deveria convergir mais rapidamente para os níveis internacionais, acrescida do risco percebido de desvalorização do câmbio.
No caso brasileiro, porém, as taxas de juros mais elevadas têm sido utilizadas fundamentalmente para represar a poupança financeira e para desestimular a procuras de crédito por parte das famílias e das empresas.
Estamos abandonando as regras de um regime de moeda fiduciária não conversível e taxa real de câmbio fixada pelo Banco Central, apropriadas para uma economia dosada de um elevado grau de industrialização, sustentado, há décadas,por níveis de proteção muito elevados.
Tentamos, agora, ingressar num sistemas de conversibilidade, financeira e comercial, o que exigirá um ajustamento das estruturas produtivas e da produtividade.
Para começar, temos a seguinte combinação inédita no pós-guerra: redução drástica da proteção efetiva –provocada pela queda de tarifas mais a sobrevalorização do câmbio– e taxa real de juros muito alta.
Diante desse quadro há quem se disponha a prever uma trajetória recessiva. Talvez não seja assim.
Num primeiro momento, a queda do imposto inflacionário aumentou o poder de compra dos assalariados. O crédito ao consumo está sendo reabilitado rapidamente –apesar das taxas de juros. A despeito ainda das taxas reais elevadas há uma recomposição da riqueza privada em detrimento das aplicações financeiras, fruto da queda das taxas nominais.
Ao mesmo tempo, esses programas estão quase sempre associados à valorização da riqueza existente –sobretudo quando há entrada abundante de capitais, destinados, em sua maior parte, a aplicações de carteira.
Finalmente, tem razão Pérsio Arida, em seu último artigo na "Gazeta Mercantil", quando afirma que a estabilização, ao reduzir a dispersão dos preços nominais em torno da média induz os empresários a reter o estoque de capital existente.
Tudo isso, de pronto, impulsiona o consumo e a produção corrente. (E é provável que esse "salto" do consumo e da produção corrente ganhe intensidade e dure o tempo suficiente para produzir déficits na balança comercial e em transações correntes). Mas o aprofundamento da abertura comercial e a manutenção das taxas reais de juros, exercem um efeito negativo sobre o custo de uso do capital existente, para não falar dos danos que podem causar às expectativas de longo prazo e, portanto, ao investimento.
A combinação dessas tendências talvez seja capaz de explicar, em parte, o fenômeno do "crescimento com desemprego" exibido por países como o México e a Argentina, que promoveram programas semelhantes.

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