São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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Quem se importa?

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

A famosa imagem que não existia da câmera do carro de Senna apareceu esta semana. Roberto Cabrini obteve a fita e a mostrou no ``Jornal Nacional".
A cena, curiosamente, se desvanece instantes antes de esclarecer as causas do acidente que vitimou o tricampeão mundial em Imola.
O aparecimento da fita, porém, já é notícia. A existência dela foi negada por todos envolvidos, de Frank Williams a Bernie Ecclestone. Até o procurador Maurizio Passarini, que comanda o inquérito da Justiça italiana para apurar o acidente, fez tal afirmação.
Mentiram, se esqueceram ou o quê? O resto da fita não existe, dizem eles agora. Quem acredita nisso? Qualquer dia a imagem completa aparecerá e todos, cínicos, mostrarão seus sorrisos amarelos como fizeram na reportagem da Globo.
A cena pode até não esclarecer nada do acidente. Mas omiti-la do público não é correto pois foi nesse (ainda) hiato que Senna morreu.
Um espetáculo de horror e sangue, que não se materializou na cabeça das pessoas. Ninguém viu o corpo. E o que vem acontecendo desde então é mórbido, quando não descamba para o ridículo.
A F-1 readquiriu um confortável equilíbrio e Senna foi transformado em mártir, ícone.
É possível comprar o livro sobre sua vida pelo telemarketing, gastar US$ 4.000 para ter uma réplica de seu capacete ou ser japonês e fazer um ``Senna Tour" pelo Brasil.
Daqui a alguns meses será possível comprar a bicicleta, o relógio, o barco etc. Quem tiver muito dinheiro, também, poderá comprar um Audi pelo simples fato de ele ser vendido pela Senna Import.
O lucro, dizem, irá para a fundação que o reverterá para obras assistenciais. O fato é que o negócio todo cheira à exploração e parece antiético.
Uma empresa comprar os direitos da marca Senna para ajudar crianças carentes é louvável. Utilizá-la em seus produtos e aumentar as vendas, porém...
O certo é que o procurador Passarini está com um belo pepino nas mãos. E este repórter duvida que alguém seja condenado de fato. A culpa toda deverá recair na tal barra de direção, que, por algum motivo, quebrou.
Uma fatalidade, explicação mais do que suficiente para uma morte sem identidade. Senna não morreu na Tamburello.
Para todos, sem exceção, não interessa a imagem que não existe. Rostos dilacerados não vendem bicicletas.

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