São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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``Anjo Negro" procura o mito e esquece o sexo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Talvez esteja em ``Anjo Negro" a expressão maior da lenda Nelson Rodrigues. Escrita em 1946, é a segunda das peças que ele chamou de ``desagradáveis", qualificação depois mudada para ``míticas", com a perda da auto-ironia.
É a peça em que usa de forma flagrante elementos de tragédia grega, seguindo os passos de Eugene O'Neill, autor americano em cuja biografia e em cuja dramaturgia ele parece ter-se moldado.
Assim é que ambos fizeram opção pela tragédia no teatro a partir de tragédias em família etc. em semelhança crescente que chega ao detalhe da tuberculose. É a lenda de Nelson Rodrigues, o mais conhecido de seus personagens.
``Anjo Negro", o espetáculo, segue a lenda. É uma montagem que limpa os personagens ao seu mínimo formal, em busca do que parece uma essência, ou o mito, se é que merecem o nome. O resultado é o de tantas vezes recentes, com o autor: artificialismo, frieza, platéia vazia.
É pena, porque ``Anjo Negro" poderia dar o passo definitivo no sentido de um Nelson Rodrigues visto de longe, fora do campo de influência do gênio do próprio dramaturgo, autor de si mesmo.
Foi o que começou a fazer ``A Falecida", meses atrás, na montagem carioca que passou por São Paulo e promete voltar. De uma tragédia, como ainda era lembrada, a peça mostrou-se uma comédia rasgada. Ainda é pouco, até porque ``A Falecida" desde cedo foi citada por Pompeu de Sousa, prefaciador do Teatro Quase Completo do autor, como comédia de costumes.
``Anjo Negro" não chega a tanto, claro, mas também faz por merecer alternativas. A primeira delas guarda relação com outro pernambucano, sobre o qual o dramaturgo dizia que ``ninguém escreve tão bem, aqui ou em qualquer outro idioma". Gilberto Freyre, amigo do irmão mais velho de Nelson Rodrigues, Mário Filho, está por trás de cada linha de ``Anjo Negro".
O Brasil de ``sensuais torpezas" de ``Casa Grande e Senzala", com seu relato da ``formação da família brasileira", é o Brasil do dramaturgo, não só nesta peça.
Em ``Anjo Negro", está apenas mais evidente, com a ``sensual torpeza" que envolve o negro Ismael e a branca Virgínia, chamando tragédia. A montagem, toda ela apolínea, limpando personagens atrás de mitos, deixa para trás a sensualidade.
Nada mais insípido do que as cenas de nudez e sexo. Aliás, nada que lembre o próprio Nelson Rodrigues à época da primeira montagem de ``Anjo Negro", correndo atrás de ``uma corista negra chamada Tânia".

Peça: Anjo Negro
Direção: Ulysses Cruz
Elenco: Christiana Guinle, Antônio Pompêo, Ida Gomes, Marcos Winter, Bel Kutner
Quando: De quinta a sábado, às 21h, domingo, às 20h
Onde: Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, tel. 288.0136)
Quanto: Quinta-feira, R$ 5, de sexta a domingo, R$ 10

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