São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 1994
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Carlitos desafia máquina em 'Tempos Modernos'

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Charles Chaplin rodou ``Tempos Modernos", em 1936, o cinema já falava desde 1927. Digamos, tartamudeava. Mas ele não gostou da novidade e desafiou o mercado, continuando a fazer filmes mudos. O que tinha a dizer não precisava das palavras.
Na verdade, parcialmente mudos. Em ``Tempos Modernos", só o vagabundo (Carlitos) e sua namorada (Paulette Goddard) não falam. Nem precisam. Mas a trilha sonora é riquíssima, uma assombrosa cacofonia industrial e urbana, suavizada apenas pela canção-tema ``Smile" (composta por ele mesmo).
Foi um dos seus filmes mais polêmicos. As esquerdas o adoraram pelo seu ``anticapitalismo" explícito, representado pelo operário (Carlitos) que pira de tanto apertar parafusos numa linha de montagem. A direita o atacou pelo mesmo motivo, achando-o infantil e panfletário, além de mambembe para os padrões do cinema em 1936.
Quase 60 anos depois, tudo isso fica secundário diante da grandeza de Carlitos. Os meios de que ele se vale para fazer a sua suposta exortação antimáquina ou anticapital continuam comoventes e engraçados: gags e mais gags de uma emocionante beleza, mesmo sem a unidade de seu filme anterior, ``Luzes da Cidade" (1931), o maior de todos.
Alguns momentos inesquecíveis de ``Tempos Modernos": os operários que chegam para trabalhar, parecendo porquinhos no matadouro; a longa sequência da fábrica, cujos pontos altos são Carlitos sendo engolido pela máquina e alimentado pela máquina de comer; Carlitos involuntariamente à frente da passeata com um pano vermelho que caiu do caminhão; o balé em patins na loja de departamentos e a sequência em que ele canta no restaurante (a primeira vez que se ouviu a sua voz na tela).
``Tempos Modernos" era um alerta contra a desumanização, seguindo uma tradição cinematográfica que já tivera um ponto alto com ``A Nós a Liberdade", de René Clair (1931), e depois teria outro com ``Meu Tio", de Jacques Tati (1958). É um dos filmes mais secos e duros de Chaplin –não é ``sentimental", como ``Luzes da Cidade" ou ``Em Busca do Ouro" (1925).
Nem poderia ser, porque o mundo já não parecia um doce de coco em 1936, mesmo para Chaplin, contra quem o vento soprava feio nos Estados Unidos. Quando o vagabundo pegou aquela estrada ao final de ``Tempos Modernos", de braço dado com a linda Paulette Goddard, ninguém podia imaginar que seria a última aparição do personagem. (Ruy Castro)

Vídeo: Tempos Modernos (Modern Times)
Direção: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Chester Conklin, Allan Garcia
Produção: EUA, 1936, preto-e-branco
Distribuição: Continental Home Video (tel.011/284-9479)

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