São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Pravda Vive

RICARDO SEMLER

Kowloon, Hong Kong: Falta apenas um item para o Brasil se entitular um país democrático: um sistema honesto de comunicação em massa. Como falar em liberdade de voto e imprensa num país aondes as regras mais primitivas de distribuição de poder de mídia são iguais às de ditaduras ou republiquetas de banana? De todas, é esta a questão mais estrutural do novo governo – e a possibilidade de uma mudança perene. Pros lados de cá, especialmente na China, Tailândia, Cambodia, Indonésia e Cingapura, o conceito de imparcialidade na mídia também não é particularmente relevante. O Estado ou amigos do momento são agraciados com concessões em troca de interesses, como no Brasil. É uma prova cabal da inesxistência de real liberdade.
Lordes da imprensa, à la cidadão Kane, existem em toda parte. Alguns deles tem efeito apenas local, considerados demonstração de subdesenvolvimento pelos sérios. O grupo Roberto Marinho se enquadra nesta categoria, que engloba também impérios mexicanos, muitos jornais latino-americanos e africanos, e contamina até países como a Itália, do quase monopolista de TV, o autopromovido Berlusconi. Há outros que se transformam em imperadores da comunicação por pura competência. No Brasil os Civita, e mesmo o Silvio Santos (que ainda assim nunca se furtou a bajular o Presidente ``du jour") figuram neste seleto time. Na Austrália existe o Rupert Murdoch, devorador de peixes menores num oceano no qual é grande tubarão. Com todos os seus defeitos, muitos, cresceu e morrerá por seus próprios méritos. De um jornal fundado pelo pai, Murdoch é hoje dono do The Times, da TV Guide (a revista mais vendida do mundo), da quarta rede de TV do mundo e até da 20th Century-Fox.
Ele imprime 60 milhões de jornais por semana. Outros, como o canadense Conrad Black, o Lord Northcliffe de Londres, o Ted Turner, fundador da CNN, ou o Robert Hersant de Paris também sobreviveram num mercado honesto que premia ousadia e inovação. Grupos como Time-Warner, Zeta, Bertelsmann e Canal Plus se degladiam em mercados livres, mas que não permitem concentração de diferentes formas de mídia.
E o que isto tem a ver com democracia? Simples. Na Europa a América é proibida a propriedade significativa de jornais e TV na mesma cidade. O mesmo vale para redes de rádio, canais a cabo, redes de telefonia e fibra ótica. Por uma razão simplória: a democracia é primeira vítima dos poderosos da comunicação. Estes farão sempre mau uso deste excesso. E o Brasil é prova disto, tendo visto os grupos que deram guarida incondicional à ditadura e elegeram corruptos como presidentes.
O perigo: muitos dos que chegam ao poder junto com FH dependem desta relação incestuosa e insalubre para sua sobrevivência. O Brasil, além de não ter controle sobre a concentração de poder na mídia, ainda tolera concessões de canais de TV e rádio para políticos, seus parentes, e testas de ferro primatas.
O Presidente eleito é o primeiro em décadas a ter legitimidade e isenção para levar o Brasil à liberdade fundamental que o controle pelo público das concessões de mídia representa.
Que isso não escorregue pelos dedos pois é, possivelmente, a única mudanças que poderá restar através das décadas como contribuição a um país de cidadãos livres. FHC, sozinho, é o único que poderá fazê-lo. Façamos votos de muita coragem. Até trotskistas resistentes concordarão: chegou a hora de por fim aos Pravdas Tupiniquins!

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