São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Centroavante supera imagem de Romário

Torcida prefere o artilheiro `caseiro'

ANDRÉ FONTENELLE
DO ENVIADO A EINDHOVEN

Ronaldo já substituiu Romário no coração dos torcedores do PSV. Se, dentro do campo, os dois são artilheiros, fora de campo Ronaldo agrada mais.
Na sonolenta Eindhoven, cidade do Brabante (região do sul da Holanda), seriedade e pontualidade são apreciadas.
``Gostamos de gente que cala a boca e faz seu trabalho, como Ronaldo. Romário era querido, mas em certos bares ele não entrava", diz um taxista.
Cada um tem sua história para contar sobre Romário.
``Quando ele não queria treinar, dava-lhe uma dor de cabeça repentina", diverte-se um torcedor. ``Uma vez, ele deixou 50 crianças esperando num encontro e não apareceu."
Ronaldo chega sempre na hora aos compromissos, fala pouco e não sai muito de casa. O PSV o protege do assédio. ``O clube o está estragando", reclama uma torcedora.
O jogador mora em um espaçoso apartamento perto do centro, com a mãe Sônia, o irmão Nélio, 19 (atualmente no Brasil), e a namorada, Nádia, 21. ``O carinho da mãe é essencial", explica Ronaldo.
Ronaldo e Nádia não falam em casamento. Um amigo da família, porém, confidencia em espanhol que Ronaldo ``está muy enamorado".
A família hospeda ainda Renato Bastos, 21, ex-meia do América (RJ). Ele está tentando sua chance no PSV: ``Acho que dá para ficar. O pessoal aqui é muito ruim".
Ronaldo diz que vai cumprir os três anos de contrato com o PSV. O clube propôs prorrogá-lo por mais dois anos. ``Ainda vou estudar", afirma.
Hoje, no entanto, ele poderia estar no Flamengo –deixou de ir para a Gávea, no juvenil, porque não podia pagar quatro passagens de ônibus por dia.
Ronaldo tem duas horas diárias de aula de holandês. No apartamento, seu professor pregou rótulos nos objetos com fita adesiva, para acelerar o aprendizado. ``De tafel", a mesa. ``De lamp", o abajur, e assim por diante.
Por enquanto, ele conversa mais com o zagueiro Valckx, que jogou em Portugal, e com o meia surinamês Vink.
A rotina de Ronaldo é tranquila. O time treina pela manhã, às 10h30, durante 90 minutos e, às vezes, treina de novo à tarde.
Os coletivos são raros. ``Desde que cheguei aqui, só fiz uns dois coletivos", reclama Vampeta, outro brasileiro no time.
Ronaldo se queixa menos: ``A gente sente falta, sim, mas para mim tanto faz".
Contratado este ano ao Vitória (BA), Vampeta ainda luta por uma vaga no meio-campo.
Só dois estrangeiros podem jogar –no momento, Ronaldo e o meia belga Luc Nilis.
O técnico Aad de Mos foi demitido após derrotas seguidas, em casa, para o Ajax (4 a 1), e em Tilburg, para o Willem 2º (3 a 1).
Sua opinião sobre Ronaldo é surpreendentemente rigorosa: ``Ele tem alternado atuações muito boas e muito ruins".
A imprensa holandesa também ainda não se convenceu inteiramente, apesar dos elogios a atuações como pela Copa da Uefa, quando o PSV perdeu fora de casa para o Bayer Leverkusen (Alemanha) por 5 a 4, mas Ronaldo marcou três gols.
``Ele teve um começo magnífico. Depois não jogou tão bem. Mas cada vez que atua dá para ver que ele é muito bom. Contra o Bayer, parecia um jogador de 25 anos", diz Jan Eerkes, repórter da revista ``Voetbal International".
A noite cai e o PSV entra em campo para enfrentar o Heerenveen, pelo Campeonato Holandês. Um jogo fácil, em princípio, que se complica.
O time visitante abre o placar, para surpresa geral, aos 9min, e termina o primeiro tempo à frente.
Apesar de dois jogadores da Copa dos EUA, Wouters e Valckx, a defesa do PSV pena para barrar os contra-ataques do modesto adversário.
À frente, Ronaldo é bem marcado pelo zagueiro Oosterveer, que não hesita em cometer faltas duras. O brasileiro não consegue criar jogadas.
Só aos 15min do segundo tempo o time chega ao empate, através de Nilis. Ronaldo continua deixando a desejar.
Finalmente, aos 36min, o brasileiro recebe a bola em boa posição. Foge pela esquerda e cruza na cabeça de Meijer, que desempata. Festa dos 25 mil torcedores.
Mas o jogo ainda não acabou. No último minuto, Ronaldo é lançado pela direita, passa por Oosterveer e é derrubado.
O próprio Ronaldo bate o pênalti, à direita do goleiro imóvel. A noite está completa: o artilheiro cumpriu seu dever.
Uma hora depois da partida, Ronaldo está em uma cantina italiana no centro de Eindhoven, com a namorada e amigos. ``Absurdo! Todo jogo eu marco um gol", brinca com Vampeta. Foram 11 em 13 jogos.
Ele pede ao violonista da cantina que toque ``Fogo e Paixão". É atendido. Depois da pizza, a namorada lhe serve a sobremesa na boca.
Ronaldo está feliz. Tem 18 anos, dinheiro no bolso, está apaixonado e marcando gols. Seu professor de holandês poderia lhe pregar um rótulo: ``De topscorer", o artilheiro.
(AFt)

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