São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994
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Livro traz diagnóstico da ciência industrial brasileira

JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO JR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro de Luciano Coutinho e João Carlos Ferraz, Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (Editora da Unicamp, 1994, 510 páginas), tem todos os atributos para se tornar uma referência obrigatória no atual debate sobre as perspectivas do país sob um novo governo. Durante 17 meses, 82 pesquisadores de 13 instituições analisaram dados de 661 empresas que operam em 33 setores, realizaram 350 entrevistas abertas, escreveram 10 mil páginas distribuídas em 96 notas técnicas e discutidas em diversos seminários que reuniram cerca de 2.500 pessoas.
Para sintetizar esse material, Coutinho e Ferraz elegeram duas prioridades: atingir o público mais amplo possível e destacar os resultados pragmáticos da pesquisa.
Os especialistas em organização industrial notarão que a bibliografia do livro não inclui autores como William Baumol, James Brander, Avinash Dixit, Gene Grossman, Barbara Spencer, Jean Tirole e outros que redefiniram os temas da pesquisa econômica nesta área nos últimos 15 anos.
Dado que os interlocutores pretendidos não estão no mundo acadêmico, este tipo de crítica é um tanto irrelevante. Contudo, pelo menos Fernando Fajnzylber deveria ter recebido os devidos créditos pela expressão ``competitividade sistêmica", abundantemente usada ao longo do livro. Na verdade, não fora o viés protecionista da estratégia industrial sugerida por Coutinho e Ferraz, esta poderia ter sido uma excelente oportunidade para uma homenagem póstuma a Fajnzylber.
Como é inevitável em qualquer obra dedicada à formulação de estratégias nacionais, os autores são enfáticos quanto ao papel do Estado: ``Não se trata, é preciso dizer com clareza, de reconstruir o velho Estado nacional-desenvolvimentista, autocrático, instrumentalizado pela burocracia e vulnerável ao corporativismo e ao particularismo plutocrático. Não se trata de restabelecer o velho estilo de política de industrialização por substituição de importações. Não tem sentido, também, enveredar por uma discussão ideológica, centrada no falso dilema Estado versus mercado. Trata-se, sim, de delimitar claramente o novo papel do Estado e de dotá-lo da orientação e dos meios adequados para que possa enfrentar os atuais desafios (pp. 409-10).
Apesar do vigor desta declaração de princípios, o leitor fica convencido do contrário ao ver a minuciosa agenda de política industrial preparada por Coutinho e Ferraz. Eles classificaram a indústria brasileira em três segmentos: a) setores com capacidade competitiva, onde estão incluídos apenas insumos básicos (petroquímica, siderurgia, alumínio, celulose etc.) e alguns produtos de agroindústria (soja, café e suco de laranja); b) setores com deficiências competitivas, que abarcam o resto da indústria, inclusive o sofisticado grupo final; c) setores difusores de progresso técnico (informática, biotecnologia, bens de capital, telecomunicações etc.).
Além da mistura de critérios, esta classificação elude um fato importante já documentado em outros estudos: a maioria dos ramos industriais brasileiros não precisa de qualquer auxílio para sobreviver. Basta que o governo não atrapalhe com tributos discriminatórios em relação à produção local, mantenha a estabilidade dos preços e do câmbio, e zele pela ordem jurídica.
Coutinho e Ferraz discordam desse diagnóstico. A prodigalidade no uso de recursos públicos é o traço dominante na infindável lista de recomendações específicas que eles formularam para os 33 setores analisados.
O Estado não pode descuidar sequer do primeiro dos três grupos: ``A política industrial neste caso deve visar ações bem enfocadas, concentradas sobre os pontos de fragilidade, com reduzido comprometimento de recursos públicos. Não obstante, a ação do Estado faz-se indispensável para alavancar, reduzir riscos, acelerar processos (p. 437).
Não por acaso, o vocabulário nacional-desenvolvimentista permeia o livro: apoiar, promover, estimular, induzir são as palavras de ordem mais usadas. Já o termo contestabilidade só aparece eventualmente, e de maneira vaga. De fato, as questões relativas ao poder de fixar preços por parte das empresas são tratadas superficialmente, quando não ignoradas.
A concorrência de produtos importados, por exemplo, é vista como um ``objetivo válido e desejável", mas desde que devidamente monitorado, ``para evitar efeitos negativos" sobre a produção doméstica (p. 85). Além disso, advertem os autores, ``o nível adequado de proteção é aquele que maximiza a taxa de inovação do sistema produtivo doméstico (p. 418). Assim, eles não estão minimamente preocupados com as escaladas tarifárias absurdas contidas no projeto de união aduaneira para o Mercosul, mas apenas em ``buscar um processo mais lento de aproximação das alíquotas nos casos em que há grande divergência (p. 418).
Para maximizar a taxa de inovação da economia, é melhor seguir a receita de Baumol do que recorrer a tarifas aduaneiras. Segundo ele, os empresários só se dedicam à inovação tecnológica se não houver outra saída. Caso contrário, agarram-se nos favores do governo ou se metem no crime organizado. Portanto, a receita para manter um sistema industrial competitivo é simples: submeter os capitalistas a um inferno permanente no qual os lucros estejam sempre em vias de desaparecer, quer pela sagacidade dos concorrentes, quer pelas demandas dos trabalhadores.
A experiência da última década demonstrou que a indústria brasileira está preparada para enfrentar esse inferno. Ademais, conforme afirmam Coutinho e Ferraz, estabilidade macroeconômica e equidade social são requisitos básicos de qualquer estratégia industrial. Que as energias do Estado se concentrem nestas duas tarefas.

JOSÉ TAVARES DE ARAUJO JUNIOR é doutor em economia pela Universidade de Londres, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretário executivo da Comissão de Política Aduaneira (CPA) durante o governo Sarney. Trabalha atualmente no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington.

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