São Paulo, domingo, 30 de outubro de 1994 |
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Livro traz diagnóstico da ciência industrial brasileira
JOSÉ TAVARES DE ARAÚJO JR
Para sintetizar esse material, Coutinho e Ferraz elegeram duas prioridades: atingir o público mais amplo possível e destacar os resultados pragmáticos da pesquisa. Os especialistas em organização industrial notarão que a bibliografia do livro não inclui autores como William Baumol, James Brander, Avinash Dixit, Gene Grossman, Barbara Spencer, Jean Tirole e outros que redefiniram os temas da pesquisa econômica nesta área nos últimos 15 anos. Dado que os interlocutores pretendidos não estão no mundo acadêmico, este tipo de crítica é um tanto irrelevante. Contudo, pelo menos Fernando Fajnzylber deveria ter recebido os devidos créditos pela expressão ``competitividade sistêmica", abundantemente usada ao longo do livro. Na verdade, não fora o viés protecionista da estratégia industrial sugerida por Coutinho e Ferraz, esta poderia ter sido uma excelente oportunidade para uma homenagem póstuma a Fajnzylber. Como é inevitável em qualquer obra dedicada à formulação de estratégias nacionais, os autores são enfáticos quanto ao papel do Estado: ``Não se trata, é preciso dizer com clareza, de reconstruir o velho Estado nacional-desenvolvimentista, autocrático, instrumentalizado pela burocracia e vulnerável ao corporativismo e ao particularismo plutocrático. Não se trata de restabelecer o velho estilo de política de industrialização por substituição de importações. Não tem sentido, também, enveredar por uma discussão ideológica, centrada no falso dilema Estado versus mercado. Trata-se, sim, de delimitar claramente o novo papel do Estado e de dotá-lo da orientação e dos meios adequados para que possa enfrentar os atuais desafios (pp. 409-10). Apesar do vigor desta declaração de princípios, o leitor fica convencido do contrário ao ver a minuciosa agenda de política industrial preparada por Coutinho e Ferraz. Eles classificaram a indústria brasileira em três segmentos: a) setores com capacidade competitiva, onde estão incluídos apenas insumos básicos (petroquímica, siderurgia, alumínio, celulose etc.) e alguns produtos de agroindústria (soja, café e suco de laranja); b) setores com deficiências competitivas, que abarcam o resto da indústria, inclusive o sofisticado grupo final; c) setores difusores de progresso técnico (informática, biotecnologia, bens de capital, telecomunicações etc.). Além da mistura de critérios, esta classificação elude um fato importante já documentado em outros estudos: a maioria dos ramos industriais brasileiros não precisa de qualquer auxílio para sobreviver. Basta que o governo não atrapalhe com tributos discriminatórios em relação à produção local, mantenha a estabilidade dos preços e do câmbio, e zele pela ordem jurídica. Coutinho e Ferraz discordam desse diagnóstico. A prodigalidade no uso de recursos públicos é o traço dominante na infindável lista de recomendações específicas que eles formularam para os 33 setores analisados. O Estado não pode descuidar sequer do primeiro dos três grupos: ``A política industrial neste caso deve visar ações bem enfocadas, concentradas sobre os pontos de fragilidade, com reduzido comprometimento de recursos públicos. Não obstante, a ação do Estado faz-se indispensável para alavancar, reduzir riscos, acelerar processos (p. 437). Não por acaso, o vocabulário nacional-desenvolvimentista permeia o livro: apoiar, promover, estimular, induzir são as palavras de ordem mais usadas. Já o termo contestabilidade só aparece eventualmente, e de maneira vaga. De fato, as questões relativas ao poder de fixar preços por parte das empresas são tratadas superficialmente, quando não ignoradas. A concorrência de produtos importados, por exemplo, é vista como um ``objetivo válido e desejável", mas desde que devidamente monitorado, ``para evitar efeitos negativos" sobre a produção doméstica (p. 85). Além disso, advertem os autores, ``o nível adequado de proteção é aquele que maximiza a taxa de inovação do sistema produtivo doméstico (p. 418). Assim, eles não estão minimamente preocupados com as escaladas tarifárias absurdas contidas no projeto de união aduaneira para o Mercosul, mas apenas em ``buscar um processo mais lento de aproximação das alíquotas nos casos em que há grande divergência (p. 418). Para maximizar a taxa de inovação da economia, é melhor seguir a receita de Baumol do que recorrer a tarifas aduaneiras. Segundo ele, os empresários só se dedicam à inovação tecnológica se não houver outra saída. Caso contrário, agarram-se nos favores do governo ou se metem no crime organizado. Portanto, a receita para manter um sistema industrial competitivo é simples: submeter os capitalistas a um inferno permanente no qual os lucros estejam sempre em vias de desaparecer, quer pela sagacidade dos concorrentes, quer pelas demandas dos trabalhadores. A experiência da última década demonstrou que a indústria brasileira está preparada para enfrentar esse inferno. Ademais, conforme afirmam Coutinho e Ferraz, estabilidade macroeconômica e equidade social são requisitos básicos de qualquer estratégia industrial. Que as energias do Estado se concentrem nestas duas tarefas. JOSÉ TAVARES DE ARAUJO JUNIOR é doutor em economia pela Universidade de Londres, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretário executivo da Comissão de Política Aduaneira (CPA) durante o governo Sarney. Trabalha atualmente no Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington. 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